Há muitos anos, estrelas não mais formam trilhas no céu até mim. O sol não esquenta minha derme mortalmente fria já não mais corada com a sutileza da vida, sentimentos apodrecidos dentro do vácuo da minha mente. Por acaso poderia eu me transformar num buraco negro? As palavras se esfarelam como dentes de leão e desaparecem no profundo do meu ser, se escondendo onde nunca poderão ser encontradas. Sou uma Cacofonia do caos, filha de Medusa, herdeira das dores nunca curadas dos que vieram antes de mim.
— Você veio. — Meus olhos cor de uísque se fixaram na mulher a minha frente, seu polegar traçou a maçã do meu rosto, uma carícia preguiçosa com o toque de gentileza que nenhum outro ser jamais ousaria se comparar.
— Não era você quem tanto me desejava? — Ela disse num tom mórbido, mas conhecedor — Eu te escutei todas as vezes, meu bem. Venha e pegue seu descanso. O juízo final te aguarda em meus braços. — e então, aconteceu.
Teus lindos lábios podres tocam os meus, tão suave como uma pétala de tulipa. O último suspiro escapa sutilmente, resquícios de vida flutuando em últimas partículas de oxigênio, misturados com minhas dores e dignidade.
Quem seria eu, mero mortal, capaz de resistir aos encantos dos teus cantos de sereia? Divino, estonteante, sedutor e irresistível. Minha alma dança atraída para a valsa, sua última cortesia oferecida depois da estrada dolorosa até aqui.
Minha alma carrega o trauma da vida, aguardando seu julgamento final com esperança, te admirando e desejando como a mais sublime das belas criaturas.
Há quem pense que a vida é companheira. Tolos ingênuos. Quem mais seria tão leal quanto nossa querida ceifadora? Aguardando décadas fiéis até o desenlace, contemplando nossas almas com cordialidade até o fim dos tempos.