Cap.7

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Fujam de companheiros ruins como se fugissem da picada de uma cobra venenosa. Se você mantiver bons companheiros, posso assegurar-lhe que um dia se alegrará com eles no céu; ao passo que se ficar com os que são maus, você também se tornará mau e correrá o risco de perder sua alma.
-São João Bosco (sobre amizades)

Caleb

Se passou uma semana. A convivência entre nós dois ainda era estranha, trocamos poucas palavras além da forma cordialidade que se vê compartilhada por desconhecidos: bom dia, boa tarde, boa noite. Contudo, nessa noite foi diferente. Ela fez algo diferente. Sentou do meu lado no sofá, por isso agora me encontrava a encarando de soslaio.

-Hum como foi na faculdade hoje? -Ela fez uma pergunta pra mim?! Sério isso? O que há com ela? Ela vai ultrapassar a linha que ante tinha estabelecido? O que ela quer com isso? Parece o tipo de coisa para se preocupar.

-Normal. Almocei com o pessoal. -Respondi e ela soltou um sonoro “hurum”. -E você?
-Eu comecei a correr.
-Por quê? -Deveria ter dito algo como “legal” e encerraria isso, mas por alguma razão minha cabeça e minha boca não acertavam um acordo.
-Manter a forma.
-Atah. E vai na missa no domingo? -E eu continuo a dizer coisas que nem sei porque digo. Eu estava tão desesperado para que o clima entre nós não fosse tão pesado que nem percebi? Acho que antes dela vir falar comigo, eu já queria ter feito o mesmo. Era estranho imaginar passar meses numa convivência permeada numa bolha densa e fria de “você é o maluco que invadiu meu apartamento e me trouxe para o seu por pena”. Era pena mesmo, eu tenho dinheiro pra pagar isso só….Mas, confesso que agora com um dinheiro sobrando posso fazer uma boa economia.

-Vou, não falto.
-Mesmo se estiver doente?
-Mesmo.

Então o silêncio voltou só que pior e mais pesadamente esquisito. Ela também não era boa em manter assunto, estava quase monossilábica. Ela veio fazer isso forçadamente? Não quero que se sinta obrigada a fazer amizade comigo, a cordialidade de antes pode permanecer. Não me importo mais. Só não quero esse silêncio constrangedor entre nós.

-Eu queria que a gente se desse bem. -Akira falou num sussurro. Me virei fitando-a de frente. Ela escorregava os orbes castanhos escuros vez ou outra sem saber como reagir. Engoli em seco e sentia que começaria a suar. Por que ela faria amizade comigo? Ela sabe da minha índole, que provavelmente é questionável para a mesma.  Mas se é o que ela quer… Vou continuar. Apesar a inconstância de meus pensamentos, não vou refletir tanto assim sobre o quê ela disse e o que “faz sentido pra ela”.

-Porque não faz faculdade? -É melhor você ajudar a essa conversa não morrer, se não te largo de mão e tu vai fazer amizade com seus amigos mendigos.
-Nossa…-Fiz bobagem? Caralho, não faço a mínima ideia do que conversar com essa garota!
-Desculpas. Mas é só pra te conhecer, você já fez um interrogatório completo pra mim, deve saber até meu CPF. -ela solta uma risada fraca e se encolheu no cobertor que vivia enrolada nele. -Cara, por que tá sempre nesse cobertor? -Tentei mudar o rumo da conversa de novo.
-Conforto, só isso. E aliás não entrei porque nunca tentei.
-Seus pais não reclamaram?
-Sou órfã. -Engoli em seco. Puta merda, essa garota tirou a sorte na loteria. Órfã, mendiga… o que mais falta pra ter o pacote completo?
-Sinto muito. -Lamentei soando visivelmente desconfortável.
-Relaxa. Foi há muito tempo, já estou melhor. -Aquilo pareceu a maior mentira que ela já disse. Tudo nela parecia reprimido. Um muro a rodeava e ela tirou uma pequena pedra para que eu visse um pouco. Ela mexia os dedos nervosamente naquele momento, então achei melhor desviar de assunto de novo.

-Gosta de Star Wars?
-Nunca vi.
-Senhor do anéis, então?
-Desconheço.
-DC?
-Hum… acho que vi um filme deles.
-Qual?
-Homem-aranha.
-Isso daí é da Marvel. -Falei arregalando um pouco os olhos.
-São bem parecidos…-Ela olhou para as próprias mãos.
-O que você assisti? -Forçei um sorriso para aparentar ser mais amigável. Minha estatura não permite muito para favorecer uma imagem minha mais simpática, eu tenho 1,95 e sou forte. Ela parecia ter 1,65 por aí, altura amigável pra uma formiga.
-Não vi muita coisa, no orfanato o canal ficava quase sempre no jornal. Canal aberto, sabe? -Puta que pariu! Não sei mais o que fazer!!!!!
-Então, bora ver um filme. Diz um gênero aí. -Respirei fundo.
-Pode ser romance?
-Pode. Vou escolher.

Coloquei “Casa no lago”. Assisti todo filme, ele era bom, embora eu não fosse muito de ver filme emocionante assim. Akira parecia bastante emotiva, lágrimas caiam como cachoeira de seus olhos.

-Você não disse que era triste!
-Mas eles ficam juntos no final!
-Ele quase morreu! -Fungou limpando a face.
-Foi mal.

Ficamos um tempo quietos encarando a tv.
-Você, está com sono? -ela inquiriu a mim.
-Na verdade não. -quero bater uma no meu quarto e ver meus vídeos, essa parte ,eu por razões óbvias, não falei.
-Eu também não. Não quero dormir.
-Tá…bora jogar um jogo? -eu estava com muita pena dela pra ter feito aquela pergunta, é a única explicação pra um cara como eu.
-Qual?
-Hum… mímica. -Diz sem me importar.
-Eu sou boa!  -O quê?! Ela gosta de mímica?

(...)
-Você roubou!!!!

Era 1:27AM, estamos jogando pôquer e eu estou ganhando até que ela joga um “Full house”.

-Você que está roubando! Saí pra lá, cê louco! -disse indignado -Rouba muito! -Akira soltou uma gargalhada.
-Eu tô é com fome. Vou ver se o bolo já está pronto. -diz ela, se levantando
-Tá, saí pra lá, ladrona!
-Você que é mal perdedor!

Ela traz dois pratos com duas fatias em cada e o dela é o que tem a fatia maior, então pego uma fatia inteira do dela e ponho todo na boca recebendo um soco no ombro em resposta. Foi o maior contato físico que já tivemos até agora, foi um avanço!
-Você é muito infantil. -Ela diz e revira os olhos, começando a comer.
-Isso é porque o povo do orfanato é mais humilde! -debochei. Eu não escondia dela o jeito que eu era. As coisas deveriam ficar claras como o sol, transparente como água para a Akira e eu ia garantir isso se dependesse de mim.
-Atah, eles faziam era bullying. -Soltou entre mordidas.
-Tu sofreu bullying é? -falei, curioso.
-Hurum.
-Caralho! Você deu muito sorte na vida!
-Não faz ideia…
-Relaxa. -levantei o braço mostrando meu músculo enquanto um sorriso se alargava pelo meu rosto. -Vou te proteger!
-Tu tem mais cara de quem faria bullying do que proteger!

-Caramba, tu só me esculacha. Eu não sou tão ruim assim não.
-Verdade. Você…-então ela disse algo inteligível.
-Quê?
-Você é legal. Descu-
-Eu tô brincando. Não leva as coisas a sério comigo. -Disse levantando pra pegar outra fatia do bolo de chocolate. -Mas vem cá, onde tu deixou o bolo?
-No fogão, tá cego?
-Calma aí, estressada eu não vi!
-Sabe, eu deveria fazer faculdade! Vou tentar ano que vem assim que juntar uma boa grana! Quando for um empresário rico não esquece de mim! Quero um cheque da amizade. -brincou se virando no sofá pra me encarar do portal que leva a cozinha.
-Realmente deveria tentar a faculdade. -disse eu.
-É…

Ficamos nos encarando em silêncio. Queria saber o que se passava na cabeça dela e até descobrir mais da sua vida, ela é legal e até um pouco divertida pra uma garota certinha.
-Só um aviso, Akira Rose Jones, nada de me ver como “irmão em Cristo” ou essas coisas aí que eu… -ela começou a rir. -Quê? Só pra avisar, vai que do nada tu me chama de “irmão”? Sacanagem!
-Amigo?
-Meu pau! -Ela revirou os olhos e sentou no sofá direito pra comer o restante do bolo
-Acho melhor a gente ir dormir. -Troquei o assunto. Ela levantou e pôs o prato na mesa de centro foi até o corredor e fez sinal de continência pra mim.
-Boa noite, Caleb.
-Boa noite, Akira Rose.

Aquela noite eu não vi nenhum vídeo X e nem fiz nada devido o cansaço.

Desejo de Eternidade -romance católicoOnde histórias criam vida. Descubra agora