Compreensão

Eu tinha 15 anos. Já faz 20 anos que essa história começou. Comecei a namorar um rapaz e logo ele me apresentou seus amigos. Um deles, o T., foi a pessoa de quem fiquei mais próxima, e quando o namoro acabou, eu e T. continuamos amigos. Era uma amizade verdadeira, nos falávamos quase todos os dias, muitas vezes passávamos a tarde inteira conversando, até de noite, e sempre saíamos juntos. Um dia nós ficamos, foi em um show, estávamos muito bêbados, mas foi divertido. Ficamos algumas vezes de novo, sem compromisso algum e sem pretensão de ter. Nunca conversamos sobre isso, mas era algo subentendido na nossa relação.

Um dia ele deu uma festa em sua casa e acabou bebendo demais, passou mal. Eu cuidei dele, expulsei o pessoal da casa, o ajudei a tomar banho, o coloquei na cama e passei a noite lá, cuidando dele. No outro dia, nós arrumamos a bagunça, e ficamos de novo, passamos o dia juntos, como um casal, foi um dia perfeito. Depois disso, voltamos para as nossas rotinas, sempre se falando. Após algumas semanas sem nos ver pessoalmente nós saímos e eu decidi pedir ele em namoro, mas não rolou, porque nesse dia ele me apresentou para a namorada. Sim, ele havia começado a namorar 2 dias depois da festa. Os dois já ficavam a algum tempo, mas ele nunca tinha me contado sobre ela. Naquele dia enquanto passava mal, T. percebeu que a única pessoa que ele queria por perto era ela, e não eu.

Quando fomos apresentadas eu senti meu estômago doer tanto que faltou ar. Tentei fingir que estava bem, mas não conseguia emitir uma palavra sequer. Foi horrível. Ela me ofereceu carona e disse que queria conversar comigo. Aceitei porque já estava na merda mesmo.

- O T. me falou sobre vocês, que vocês já ficaram, que você deu banho nele. Na verdade, ele sempre fala muito de você, desde que a gente começou a ficar. E eu queria te dizer que eu tô bem de boa com isso. Quando ele me pediu em namoro ele me deixou bem claro que jamais abriria mão da sua amizade por mim. Então é isso.

E eu falei tudo bem. Falei que estava feliz por eles. Falei que torcia muito por eles desde o início. Falei que queria que nós duas fossemos amigas. Eu falei... Mesmo sem querer dizer. Nós nunca tocamos nesse assunto, eu e ele. Nunca conversamos sobre aquilo, porque sabíamos que a nossa amizade acabaria. Eu continuei saindo com eles, não na mesma frequência de antes, a maioria das vezes inventava uma desculpa para não ir. Continuei porque não queria parecer fraca, não queria que ele soubesse como aquilo me afetou, não queria estragar o namoro de ninguém e muito menos que tivessem algum poder sobre mim.

Um dia fomos a um show, ela não foi. Bebemos demais e em um determinado momento ele se sentou no carro, me abraçou e começou a chorar:

- Eu sinto tanta sua falta. Eu te amo muito, mas não quero terminar com ela.

Não falei nada, apenas o soltei e fui embora dali. No outro dia, ela me mandou mensagem dizendo que gostava muito de mim e queria que fossemos mais amigas. Eu nem respondi, nem sequer sei se eles conversaram sobre o que aconteceu no show. Decidi me afastar. Não falei nada, só desapareci. E ele entendeu.

Eles terminaram algumas semanas depois, e eu comecei a namorar outra pessoa. Seguimos nossas vidas, cada um deixando um pedaço de si para trás. Muitas coisas aconteceram, vários anos se passaram, eu mudei de cidade, de estado de espírito, e um dia voltamos a nos falar, não dá forma como antes, apenas em alguns raros momentos. Depois de um tempo, passamos a nos falar com mais frequência. Contamos um para o outro tudo que havíamos vivido, contei do meu casamento, da minha profissão, e assim se seguiu por um bom tempo, sempre tendo conversas curtas e pontuais até pararmos de conversar novamente. Demorei a perceber sua ausência, porque ele não fazia mais parte da minha vida, mas quando percebi me senti muito mal como se aquele amor antigo ainda existisse dentro de mim.

Essa semana, por um acaso, nos encontramos no show de uma banda que gostávamos na adolescência. Ele estava com a esposa curtindo o momento quando nos vimos. Olhei nos olhos dele e sorri me preparando para ir até ele dar um oi. Ele me olhou e balançou a cabeça em sentido de não, e eu entendi.