Um dos grandes erros daqueles que se aventuram pelo desconhecido, é se perder em meio às expectativas e se iludir com pequenos agrados, sem esperar pela decepção iminente
Os campos eram ainda mais impressionantes de perto, e chegava a ser difícil enxergar onde terminavam. Os poucos guardas que mantinha vigia na área apenas paravam algumas carroças a fim de revistar sua mercadoria, Stella e Quípor apenas passaram por grandes arcos de madeira, repletos de desenhos e runas pouco familiares aos viajantes.
Novamente, conforme avançavam rumo ao centro do vilarejo, eram envoltos pelas conversas paralelas, sons de cascos e ferramentas batendo, mercadores ofertando seus produtos, mas diferente de Samu, Mareo era menos movimentada, e a fumaça que antes tomava o ar de alguns pontos da cidade portuária, ali sequer existia. Não havia grandes fornalhas ou embarcações fumacentas, o máximo que poderia os afetar era o cheiro de carne vindo das tavernas, facilmente reconhecidas pelas placa de madeira penduradas por cortas finas sobre uma grande porta dupla, aliás, boa parte dos comércios eram assim por ali.
— O que será isso? Algum tipo de reunião? — Perguntou Stella, observando não só a placa de madeira, mas também as silhuetas que iam de um lado a outro atrás da janela fosca a sua esquerda.
— Quem sabe um festival? Estão cantando. — Quípor tomou a frente e aproximou seu ouvido da porta, dando mais atenção ao som do alaúde que sobrevivia sob a barulheira. — Música!
A porta se abriu num supetão e Quípor recuou tão rápido quanto podia, bem a tempo de evitar ser trombado por um velho Sarm; menor que um ser humano, mais resistente que uma rocha. O pequeno alisava a barba enquanto cambaleava soluçante para fora do local, parecendo não dar a mínima para o dois jovens, confusos e curiosos, trazidos de volta a realidade com o baque da porta após alguns instantes.
— Devemos? — A voz de Stella parecia se arrastar, tão curiosa quanto incerta. — Não há nenhum aviso ou guarda.
— Você primeiro. — Com o sorriso mais cínico que pôde colocar no rosto, Quípor fazia uma mesura e abria caminho para Stella.
— Que tipo de guardião é esse? — Deixando um pouco da incerteza de lado, Stella se forçava em direção a porta, fechando os olhos e empurrando a placa de madeira sem pestanejar.
As vozes ali dentro soavam engraçado, eram no mesmo estilo cantante que os guardas e comerciantes falavam, idioma um pouco difícil de entender algumas vezes, mas bonito de se ouvir; Trhīa.
A música também fluía ainda mais bonita, mesmo sufocada sob o bater de copos e pratos e tudo o mais. O rapaz que tocava estava sentado ao lado do balcão, com um chapéu de couro aos seus pés, recheado com moedas distintas. Parecia desconexo a tudo que acontecia ao seu redor, nada o fazia perder o ritmo ou a melodia, era realmente muito bom, mas o interesse de Stella se deu um suas orelhas pontudas, quase como as folhas das árvores, além de longas. Era um Idet, mais um pedaço de sua terra natal presente naquela jornada. Quípor também o notou, e quase interrompeu a música para cumprimentar o rapaz, não fosse a chegada repentina de uma pequena jovem em um vestido marrom sob um avental amarrotado. Lia, foi como se apresentou, carregava uma tábua circular de madeira e um sorriso extremamente simpático, ela os guiou quase que forçadamente por entre os clientes e os acomodou numa uma mesa vazia próxima aos fundos do salão.
— Bem-vindos, viajantes! Também estão indo para Lafir, acertei? — Apesar do barulho, sua voz soava bem audível — Aposto que vão viajar muito melhor com as barrigas cheias!
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Coroa Sangrenta - Aço e Fogo
FantasíaPara alguns, não há nada mais angustiante do que mergulhar em águas desconhecidas, ainda assim, existem aqueles que, talvez por ignorância, abraçam a maré sem hesitar. Stella, uma órfã teimosa e alheia aos problemas do mundo, embarca em uma jornada...