Batem à porta da minha casa solitária. Só tenho tempo de destrancar a fechadura antes da Annora me saltar ao pescoço.- Oh, meu deus, desculpa - ela quase me esgana - Desculpa, desculpa, Moon, a culpa é minha.
Afasto-a de mim com delicadeza, reparando quando olho para o seu rosto que está a chorar, copiosamente, diria. Lágrimas escorrem-lhe pelo rosto moreno, os olhos inchados e vermelhos, raiados de sangue.
Ela mal consegue falar, o ar entrando-lhe nos pulmões em jatos irregulares, engasgando-se nas palavras.
- Desculpa, desculpa, eu não queria, eu não pensei... Oh, meu deus...
Fecho a porta e encaminho-a para a minha cama, onde a sento e a abraço. Credo, logo eu, que detesto contacto de qualquer tipo.
- Está tudo bem. Está tudo bem... - sussurro-lhe, enquanto lhe afago as costas - Eu estou bem.
Demora uns minutos a acalmar um pouco a respiração, para me perguntar:
- O que é que ele te fez?
Os seus olhos estão pregados no chão, vazios, vidrados pelas lágrimas e vermelhos, mas parou de soluçar.
- Só falámos, felizmente.
Ela olha para mim de lado.
- O quê?
- Só falámos. Fui ao escritório dele e combinamos de não voltar a acontecer. Nada mais.
Ela solta um suspiro profundo e endireita-de, limpando o nariz à manga da camisola azul-marinho.
- Mas tu não apareceste para o almoço. Pensei que... Oh, meu deus, pensei que ele te tinha voltado a fazer...
Seguro-lhe as mãos e faço-a olhar-me nos olhos.
- Não apareci porque perdi o apetite a falar com ele. E, de todos, esse foi o menor problema que um encontro com ele me trouxe. Por isso - sorrio-lhe - estou bem. Nada me aconteceu. Não é culpa tua.
Annora abraça-me e chora um pouco mais, expressando o quão aliviada está, e primeiro que a consiga descolar de mim passam uns bons quartos de hora. Mas, por fim, consigo convencê-la a ir entreter-se com alguma coisa, e ela não perdeu a oportunidade de ir buscar um livro e voltar num ápice para minha casa.
Enrosca-se na minha cama e puxa-me para que me deite com ela.
- Trouxe Red, tudo bem?
Sorrio.
- Perguntas-me como se não a adorasse.
- Então Red será.
Lemos durante o que parecem horas, histórias imaginadas por uma autora cujo trabalho admiro, e o pseudônimo odeio, até o meu telemóvel vibrar e Annora tirar uma pausa para casa de banho e snacks clandestinos.
Viro o ecrã para mim e reparo que é Phoenix quem me escreveu.
P: Ei, a Annora já me contou que está tudo bem. Idiota 😒
Abro a conversa e digito de volta:
M: Eu disse que sabia lidar com ele.P: Oh, por favor. Ambos sabemos que se ele decidisse enfiar-te naquela sala, nada o impediria.
Não sei se respondo, porque não quero admitir, mas...
M: Eu sei, tens razão. tive sorte.
Espero enquanto três bolinhas saltitam no fundo do ecrã, indicando que ele está a escrever.
P: Oh, deuses, até me sinto honrado, acabaste de dizer que tenho razão? 😱
M: É melhor afixares a mensagem, poderá ser a única do género que alguma vez receberás.
Para meu divertimento, ele teve a lata de realmente afixar a mensagem. Abano a cabeça e pouso o telemóvel, sem sequer reparar que estou a sorrir.
Porém, nem cinco segundos depois, o dispositivo vibra de novo.P: Tenho que te contar uma coisa.
M: O que se passa?
Fico na expectativa enquanto escreve, não sabendo que o que me vai dizer a seguir, aquelas simples palavras, serão o desencadear do início do fim da minha vida.
P: É sobre o teu próximo aniversário, Moon. E... O teu provável último dia.
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Segredos de Sangue
ActionEstamos em 2126. O Mundo não foi dominado por robôs como se pensava no passado, nem as secas e inundações destruíram o planeta. O Fim do Mundo não aconteceu. Bem, pelo menos, não da forma que se pensava. Agora, o planeta inteiro é controlado por alg...