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F𝖆𝖑𝖑𝖔𝖚𝖙 01, 𝖉𝖊𝖟𝖊𝖒𝖇. 1898
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Era perfeitamente audível os uivos em plena luz do dia, o farfarlhar das folhas se assemelhavam com as almas rastejando no inferno, não há uma criação na terra que Deus não tenha feito com um propósito, não é mesmo? Mas ainda não entendo porque, naquela noite de tragédia permitiu que nascesse a filha das trevas, a ruína da terra e de toda a raça humana. Isso era o amor dele por sua criação?
A alguns dias eu também tinha um desígnio, até que meus olhos se cruzaram com os de uma pobre mortal, um tanto peculiar, algo nela me fez ansiar por possuí-la. E hoje, bom, me chamo Damian Cooper, prodígio de uma das maiores famílias de Londres. Tudo isso, por alguém que está condenada à morte.
Os grandes portões se abriram, pude notar vários anjos, alguns em fontes espalhadas pelo jardim de pedras negras. Aquele lugar era algo que se deve ser cuidadoso com as palavras ao descrever. É engraçado, não acha? Pode-se dizer que é como um quadro de cores negras.
— Seja bem vindo, senhor Cooper. Me chamo Azrael, sou o mordomo da família.— O próprio fez uma leve reverência, parecia jovem, porém, seus cabelos grisalhos e olheiras fundas deixavam claro suas noites mal dormidas por motivos que apenas ele sabe.— Me acompanhe.
Fui guiado por um corredor longo como dos castelos medievais, bem detalhada, uma iluminação vaga, uma janela a cada dois passos. Um sorriso sutil se fez nos lábios do mordomo, fazendo-me erguer uma sobrancelha, quando as portas se abriram.
E lá estava ela, frente a um piano branco com detalhes dourados, deslizava seus dedos pelas teclas, vez ou outra deixando escapar uma nota sem sentido, seus cabelos brancos raros, caiam em ondas por suas costas.
Azrael fez uma leve reverência, pigarreando antes de se retirar. A atenção de Melione, por fim, foi dedicada somente a mim. Seus olhos levemente cinzas. Sua expressão se manteve neutra, mesmo após me sentar ao seu lado, tudo que o fez foi dar de ombros.
Ela se levantou, pegando um violino que estava posto próximo ao piano, sentando em minha frente, enquanto posicionava o instrumento de forma correta, eu estava de costas, ainda focado no outro instrumento. Não demorou muito para que meus olhos estivessem presos nela.
Melione se inclinou em minha direção, o decote de seus seios se tornou mais atraente, ela sorriu, um sorriso digno de ser fotografado, discreto e delicado.
— Consigo enxergá-lo, senhor Damian, sei que me encara como se fosse me devorar.— Ela soprou calmamente, como um corvo expondo um pequeno segredo.
— Talvez eu queira, Senhorita Salvatore.— Melione endireitou sua postura, situando o arco nas cordas, fazendo movimentos leves e direcionando olhares para mim. Suas bochechas levemente rosadas não escondiam o pequeno dano que minhas palavras causaram nela.— Pelo visto, seu pai mentiu quando disse que a senhorita não enxergava bem.
— Ou ele, talvez, apenas tenha exagerado. Perdi trinta porcento da visão do olho esquerdo.— Explicou, tocando o violino calmamente, não era profissional, mas tinha certa habilidade. Fruto de suas antigas aulas com aquele velho nojento.
— Tente não ficar tão tensa, está atrapalhando sua concentração, Melione.— Seu corpo se arrepiou quando toquei sua pele, quente e macia, assim como imaginei que fosse. Guiei seus movimentos, vendo a leveza com que os executava.
Sua respiração se tornou audível, resisti a tentação de não experimentar seus lábios, que por ironia estavam entreabertos, como um convite. Não estávamos tão próximos, mas era perto o suficiente para excitar minha curiosidade e meu pau.
Pensei na proeza que seu pai estava prestes a fazer, prometer sua mão a um velho moribundo, quanto mais perto da morte, melhor, tudo isso para garantir que Melione não estivesse na mesma situação que ele, pobre.
Ainda eram apenas boatos que sua família estava indo à falência, ao ter certeza disso, decidi que seria o momento perfeito para tê-la, antes um demônio condenado ao inferno do que um verme nojento.
A alma dela era tão pura que foi capaz de chamar minha atenção, eu não poderia deixá-la escapar sem antes deixar minha escuridão nela.
Era uma forma estranha que os mortais tinham de descrever esse sentimento, obsessão, eu estava obcecado por uma humana, meu pai não ficaria nada contente, justo ele, Lúcifer, que teve sua vida arruinada por culpa de uma mulher.
Mas essa é a questão, eu não sou como ele.
Os humanos nunca acreditariam se ouvissem a história real do anjo mais próximo de Deus – Aquele que foi expulso do céu –, era cruel, sem final feliz, apenas sangue, lágrimas e corações partidos. Talvez, um poeta o entenderia, pois nem eu era capaz de tal feito.
Era nítido o desprezo da raça humana por nós, demônios, era como se fôssemos pestes, maldições mas se até nós estamos expostos ao próprio pecado, porque meros mortais seriam exceção? Eles nunca saberiam a verdade que não contavam em livros ou filmes.
Para eles, existe apenas a verdade universal; onde monstros que habitam a terra praticando perversidades e propagando o mal, ironicamente, são chamados de demônios.
Em forma humana somos tão limitados quanto, se morremos uma vez, nunca mais retornaremos a terra de forma alguma, em forma humana não somos capazes de levar, espiritualmente, um humano a pecar, podemos induzi-los através da carne, mas pagaremos por nossa profanações assim como eles fazem.
— Está roubando notas, Melione.
Seu nome soava tão belo saindo de meus lábios que me amaldiçoava por falar.
— Não enxergo bem no escuro. — Me agachei em sua frente, observando suas iris seguindo meu movimento. Meu coração acelerou, confesso, quando toquei sua coxa, a vendo empalidecer. — O que pensa estar fazendo, milorde?
Uma aproximação tão pouca causará tanto impacto assim em alguém, mas se esse alguém é ela tudo muda. Tão pequena e frágil, afastou-se de mim tão lentamente que pude sentir meus batimentos errarem, era nítido o medo e desconfiança, isso me divertia, eu poderia viver e eternidade assim.
Me levantei, indo em sua direção, como o caçador que acaba de encontrar a fraqueza de sua caça.
— Não a sufoca? Me refiro ao espartilho.— Deduzi ao ver sua dificuldade em respirar, Melione tinha um corpo divino, apesar de todas aquelas camadas de pano, não sei se tinha noção do quanto era desejável.
— Não uso espartilho, Damian.
— Perdão a minha grosseria.— Sorri com sarcasmo, era extremamente desrespeitoso o que estava prestes a fazer; me inclinei sobre ela, apoiei uma mão acima de seu ombro, erguendo seu queixo com a outra.— Diga-me querida, alguém já tocou em você dessa forma?
Segurei sua cintura, ela se encolheu, intensifiquei o aperto no tecido, sabia que aquilo a afetava tanto quanto a mim, afinal, ela nunca havia sido tocada, de maneira alguma, como uma mulher, ou sequer desejada.
— Por favor...— Sua voz soou tão baixa que mal pude ouvir direito. Eu a queria suplicando, mas de outra forma. Meus dedos brincaram com o pingente de seu colar, beirando o decote, algo muito maior que meu coração pulsou.
— Um dia ainda vou ouvir isso de seus lábios, querida, mas você vai estar implorando para que a toque e não o contrário. — Me afastei.
Demônios costumam esconder sua verdadeira face, fica mais fácil não ser descoberto entre as lebres. — Encerramos por hoje, Snow.