Registro de terça-feira, Tokyo.

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Chuva.














Chuva.










  EXISTE UMA LENDA QUE conta que quando chovia após o falecimento de uma pessoa, é porquê a pessoa não estava pronta ou não queria ir, e naquela tarde ensolarada formou nuvens tão escuras, e uma chuva tão intensa que foi capaz de alagar alguns bairros baixos de Tokyo.








2018 ———

Era fim de tarde, os raios solares alaranjados mais bonitos tingindo as nuvens do céu, na calçada se encontrava duas pessoas que aparentavam estar em uma espécie de briga, Haruki e Kokoa.

— Haruki... É sério que você não vai me dar um pedaço?

— Sim.

— Isso é injusto! Eu te ajudei com 2 ienes! — Kokoa grita com ele tentando alcançar a embalagem do picolé que Haruki segurava acima da cabeça dele.

— 2 ienes não paga nem o palito. — Ele diz rindo mas sua risada parando rapidamente ao ver ela pular em cima dele, e em uma tentativa de desvio o picolé voar longe de sua mão. — Ah.

Kokoa explodiu em risadas apontando para o picolé espatifado no chão, os cidadãos passavam desviando dos dois que estavam praticamente parados no meio da calçada.

— Você... Kokoa! — Ele grita e ela começa a correr entre as pessoas, o garoto corre atrás dela esbarrando em todas as pessoas que estivessem no caminho dele, sem se preocupar em pedir desculpas.

Ele conseguia ser o próprio sinônimo de mal educado.

Kokoa corria sem conseguir ter tempo para respirar, sua barriga e sua cabeça doía, rir e correr ao mesmo tempo não era coisas que combinavam, os passos da corrida dela ficavam mais lentos na medida em que sua respiração engatava, depois de um tempo forçando ela a parar de correr para respirar. — Mas ao invés de respirar ela tossia. —

— Kokoa! — Haruki grita de longe conseguindo se aproximar dela parada, mas ao ver a forma como ela estava tossindo e tentando puxar o ar, toda a raiva dele se esvaiu, substituindo por preocupação.

Rapidamente as mãos dele foram para as costas dela, fazendo um carinho rápido e dando leves batidinhas na esperança de aliviar as tosses secas dela.

Kokoa colocou a mão na boca parando de tossir, sem olhar para nenhum lado, os olhos fixados no chão. Um frio percorreu a espinha do garoto ao lado dela, que a olhava começando a sentir um suor gélido escorrer da espinha dele.

— Te enganei! — A garota cutuca o nariz dele e volta a correr, dessa vez mais devagar.

O céu já estava escuro e o vento soprava mais frio, Kokoa se balançava no balanço que havia no bairro, Haruki logo ao seu lado.

Descrever a amizade dos dois era algo impossível, os dois se conheceram por um acaso na escola, Kokoa o forçou a ser amigo dela e ele somente aceitou ser puxado por todos os cantos por ela. Ele confessaria para ela que, antes de ela chegar na vida dele, o mundo dele era mais escuro e sem vozes, sem pessoas, sem cor, mas isso seria algo que com toda a certeza do mundo – De acordo com ele – ela iria rir.

Kokoa odeia ver pessoas sozinhas, na cabeça dela ninguém é feliz sozinho, a melhor forma que ela encontrou de acabar com a solidão do mundo seria sendo amiga de todo mundo. Ela odeia a solidão.

— Ko... — Haruki a chama baixinho diminuindo a velocidade do balanço.

— Hm?

— Por que você falta a escola todas as quartas e quintas? — Ele pergunta genuinamente fitando a mesma que não parava de se balançar por nem 1 segundo sequer.

— Mnhnm.... Tenho consultas. — Ela responde não deixando abertura para mais perguntas.

— De?

— Eu não consigo cagar igual uma pessoa normal, eu sou ressecada.

Ela responde simples, um silêncio se instala, podendo se ouvir somente o ranger do balanço que gritava por socorro para ela dar um tempo. De qualquer forma, era uma mentira, ela não contaria para ele que tinha uma doença rara que nem mesmo havia nome, na cabeça dela.

— Isso é sério? — Haruki pergunta tentando segurar sua risada que ameaçava a sair do fundo de sua garganta.

— Por que eu mentiria?
































Por que eu mentiria?



































Por que ela mentiria?

























O barulho das sirenes da ambulância acordava a garotinha aos poucos, vários paramédicos ao redor da mesma, limpando todo o sangue interminável que saia dos ouvidos, do nariz e dos olhos dela. Kokoa não entendia, sua cabeça doía, era uma dor insuportável, ao lado ela conseguia ver seus pais chorando vendo os paramédicos trabalharem.

Por que? Por que eles estavam chorando se não eram eles que estavam sentindo essa dor imensurável e incompreensível...?





De novo.









De novo.







E de novo.



  Kokoa pensou que nunca mais pisaria fora do hospital, ver seus pais chorarem e seu irmão mais velho não conseguir olhar nos olhos manchados de sangue dela doía muito, mas não doía mais do que sua cabeça.

Exames mostraram uma espécie de tumor nunca vista, alguns vasos sanguíneos estouravam pelo inchaço do cérebro causando má circulação no sangue também, o que fazia sangue derramar por todos os cantos. Kokoa não conseguia comer, nem falar, somente piscar os olhos devagar olhando para o teto branco do quarto do hospital.

O médico lhe deu uma expectativa de viver no máximo até os 18 anos quando ela tinha 6 anos ainda, mas quando Kokoa completou 9 anos nesse sofrimento sem cura, uma melhora repentina aconteceu, ela pode voltar para casa, indo para o hospital fazer exames 1 vez no mês, até que se tornou 1 vez a cada 5 meses.

Mas, tudo o que é bom dura pouco, aos 15 teve um desmaio na festa de aniversário de sua irmã mais nova de 8 anos, e a mesma cena de 9 anos atrás se repetiu.










E a festa foi arruinada.

laços que desaparecem junto com o ventoOnde histórias criam vida. Descubra agora