Depois de tanto esperarmos, a plantação de milho lá fora finalmente estava quase totalmente crescida. Não sabíamos como, mas algo lá fora sempre acabava com os milhos. Comia antes mesmo dele conseguir crescer. Por vezes o papai achou rastros de algum animal, tal qual pegadas. Mas eram grandes demais para comparar aos que davam um jeito de comer a plantação de vez em quando. Essas pareciam meio queimadas.
Ouvi ele dizer que poderiam ser pessoas roubando nosso milho. Mas isso não importa, ele já esta crescendo normalmente como deveria.
Começou a acontecer tem quase duas semanas. Estava tudo seguindo seu fluxo normal, até começar a fazer falta. Um, depois dois e logo quase uma fileira inteira. Acho que que devem ter dado um fim no animal e não me contaram. Eles sabem que eu não gosto quando matam os animais.
Porém, perdemos quase todos os porcos. A mãe deles ficara doente e espalhou sua doença para os filhotes. No fim tiveram que ir todos para vala. Não podíamos aproveitar a carne pois estava contaminada demais. Isso eu deduzi, pois os animais estavam horríveis e logo depois desapareceram. Desapareceram e uma mancha de sangue apareceu onde ficavam. Quase apagada. Quem tentou limpar não limpou direito. Sinto falta deles. Agradeço as céus por ter sobrado apenas um que vivia separado por ser o macho que engravidou a porca antes dela ficar doente. Mas não posso em apegar. Logo faram dele uma refeição.
Reparamos que papai tinha sumido na manhã do dia 24 de fevereiro de 1974. Eram 6 da tarde e já estávamos reunidos para o habitual jantar, exceto ele. Pensamos inicialmente que poderia estar pescando como normalmente fazia.
Mamãe saiu e gritou por ele. Ela deve ter saído por alguns segundos antes de seus gritos ficarem mais altos. Cada vez mais altos. Pensei que ela iria perder a voz naquele mesmo dia. Chamou tantas vezes que perdi a contagem de quantas.
Sumiu pouco depois de subitamente tudo se silenciar. Quando nem sequer o cachorro da casa latia. O vento não soprara e os pássaros não cantavam. E seja o lugar onde estavam, devem ter desaparecido junto com as rasga mortalha daquela região.
Mamãe mandou nos ficarmos dentro da casa enquanto avisava que iria se aprofundar mais em sua procura. Compreendi, mas minha irmã mais velha não. Ela só esperou alguns segundos para se retirar com seu semelhante desespero para fora da casa. Eu jantei normalmente naquele entardecer. Não me recordo se elas comeram.
Pela manhã, alguns vizinhos amigos já estavam se afundando no meio dos matos, procurando. Alguns estavam até dentro das águas procurando um corpo com a alegação que ele poderia ter se afogado. Eu ficava trancado enquanto isso tudo acontecia. Marrie, minha irmã as vezes ficava de companhia. Com ela a casa não precisava ser trancada.
A região em que moravamos era escassa, exceto pelo que as próprias famílias produziam e algumas compartilhavam entre si. Os fazendeiros maiores eram abençoados com uma melhor condição de vida. Vendiam o que podiam por um preço alto. Tinham muito gado e dinheiro, e alguns até possuíam algum certo "poder". Se alguém nessas fazendas sumisse, os policiais virariam aquelas matas ao contrário até encontrar.
Eu era criança, então não tinha permissão de ajudar em nada nas buscas. Nem sequer tinha completado meus 11 anos de idade.
Os policiais decidiram aparecer depois do segundo dia de seu sumiço. No momento em que vieram em nossa casa coletar informações, eu estava na cozinha pegando um copo de água.
A cozinha era do lado da sala, separadas por apenas uma entrada. Pessoas com específicas vestimentas estavam na sala. Sentadas no sofá que ficava de frente para a televisão. Escutei-os dizer que depois das quarenta e oito horas é mais provável encontrar apenas o corpo apodrecido. Isso se algum animais grande já não tivesse encontrado. Se tivesse, só encontrariam pedaços de resto da carne se possuíssem bastante sorte. Eu fingi não escutar aquilo e subi de volta ao meu quarto com meu copo de água, mas não consegui ignorar o nó em meu estômago.