LIZ POVAs ruas de São Paulo pareciam estar quase virando um longo riacho pelo nível de chuva que caía com força lá fora. Por dentro de Liz, coincidentemente, a previsão do tempo era de uma tempestade forte com trovoadas paranormais. E a garota colocava mais uma dose de whisky para dentro.
Pensar em Thiago corroía suas entranhas, o ardor em seu peito era dilacerante. Elizabeth nunca, em seus vinte e oito anos, pensou que o término de um namoro a levaria pro fundo do poço e que, estar longe de seu, agora, ex namorado, seria equivalente a lutar contra mil monstros — e ser derrotada por todos eles. Enquanto isso, mais uma dose de whisky descia queimando-lhe a garganta.
O rádio estava ligado numa F.M qualquer e Liz praguejou quando uma melodia característica invadiu a sala de estar. A música deles. Aquela música.
– Porra, Jorge e Matheus uma hora dessas? Só pode ser brincadeira.
Era engraçado o fato de que a música do casal consistia em ser "O Que É Que Tem", um sertanejo universitário que não fazia o estilo de nenhum dos dois. A garota soltou um riso fraco anasalado enquanto tinha uma lembrança vívida do início do relacionamento, quando a fatídica música tocou no aleatório do Spotify enquanto eles estavam na casa de Thiago, conversando tarde da noite na varanda. Houve uma troca de olhares cúmplices e risadas sincronizadas logo em seguida. O momento foi mágico e seria difícil esquecer. Liz sentia vontade de morrer.
THIAGO POV
Um pouco longe dali, um cara barbudo encarava o celular como se dentro dele existisse um mistério insolucionável. De certa forma, Elizabeth Webber sempre seria um mistério insolucionável para Thiago Fritz. Depois de acordar no meio da madrugada, tinha desistido de lutar contra seus próprios sentimentos e agora, às três e quarenta da manhã, era apenas um pobre coitado de coração partido. A mesa a sua frente estava tomada por long necks de cerveja vazias e uma única pela metade. O homem nunca foi de beber tanto assim, ultimamente estava descobrindo um lado seu que nunca havia sido apresentado. Faziam exatas duas semanas que os dias pareciam estar envolvidos por uma neblina cruel, consequência da partida de Liz da vida de Thiago. As discussões tinham tido um aumento significativo nos últimos meses e as coisas desandaram com louvor, como se quatro anos não tivessem valido de nada.
Thiago, por outro lado, sentia que aqueles tinham sido os quatro anos mais valiosos de toda a sua vida, e ele ia ter isso de volta. Ele precisava ter isso de volta. Ele precisava ter ela de volta.
Numa decisão abrupta, Fritz liga o visor do dispositivo e corre pela lista de contatos procurando por "Querida", aperta o botão de iniciar chamada. Espera. Ninguém atende. Tenta novamente. Espera...
– Pelo amor de Deus, amor. Tô gritando socorro. – Ele diz em um sussurro, como se fosse uma oração. – Meu único pedido, atende...
Ninguém atende.
Thiago olha para a janela e se depara com a queda do céu lá fora.
– Beleza, Lizoca. Amores extremos pedem medidas extremas. Já entendi qual que é a tua.
LIZ POV
Eram, agora, quatro da manhã de um sábado. Havia desligado o telefone há algumas horas. O impulso de ligar para o ex estava aumentando e a garota definitivamente não fazia o tipo de pessoa que daria o braço a torcer.
A campainha toca. Liz se assusta e permanece em silêncio. A campainha toca de novo e, em seguida, três batidinhas características na porta. O coração da garota amarga no peito e, trêmula, ela caminha lentamente à porta e, ao olhar na telinha, vê o motivo de todo o seu descompasso mental recente totalmente encharcado, olhando para a câmera com expectativa como quem diz um "e aí?" silencioso. Seu ex usava pijama e contava com olheiras escuras ao redor dos olhos, além de esbanjar uma tensão palpável.
Ela abre a porta rapidamente e, ao ver Thiago pela primeira vez desde o término, uma lágrima cai. Duas. Três. Droga. Liz odiava chorar assim.
– Ô, minha querida... – Thiago sussurra baixinho enquanto caminha para dentro do apê e abraça a jovem como nunca abraçou antes. Era um carinho repleto de saudade e desespero. Os dois eram muito maiores que os desentendimentos. Sempre foram. Terminar foi a maior bobagem já decidida antes. Agora Liz sabia. – Não fala nada, me deixa falar e só me escuta, beleza? – Thiago fala no meio do abraço e sente a cabeça de Liz fazendo um gesto afirmativo entre soluços que cortavam o coração dele – Briga comigo, me bate, me xinga, faz o que você quiser, tá legal? Mas não termina o que a gente tem. As últimas semanas foram as piores da minha vida e eu já fui universitário... – Ele solta uma risada fraca. – Eu te pediria perdão de joelhos e eu nem sei direito o que eu fiz de errado, mas o meu orgulho não vale nada perto do sentimento de angústia e de vazio que não some do meu peito porque só você consegue dar um jeito nisso. Tava louco pensando no teu cheiro, no teu corpo suado. Eu te amo tanto, minha querida. Tanto. 'Vamo resolver isso, pô.
Liz só conseguia soluçar e apertar mais o namorado para perto de si. Sentiu tanta falta do cheiro único de Thiago que achou que se fizessem um teste de sanidade nela agora, falharia miseravelmente.
– Me perdoa? – A garota pergunta chorosa e afunda o rosto na curvatura do pescoço de Thiago.
– Eu te perdoaria mesmo se você me desse uma facada, minha querida. Me perdoa, também? Vacilei legal, não deveria ter gritado contigo. Confesso.
Thiago se afasta gentilmente para segurar o rosto de Liz com as duas mãos, encara a namorada como se precisasse gravar todos os seus traços em sua mente, limpa as lágrimas insistentes que tornavam a cair e a beija. Um beijo de alívio, cheio de vontade. Liz guia seus braços até ficarem pendurados no pescoço do mais velho para intensificar o ato e ali, tudo parecia fazer sentido.
A vida só era o que era quando Thiago estava nela e Liz só era ela mesma quando amava e era amada por ele.
FIM
"Desse jeito que eu ando
Eu não sei se aguento mais uma semana
Saudade é tanta
Que no meio da noite o corpo reclama
A falta de você, a falta de você
Tô jogado no canto
Tô bebendo de um jeito que eu não bebia
Saudade judia
Quando olho a última fotografia
Eu ligo pra você, eu ligo pra você
Tô gritando socorro, meu único pedido
Aquele amor gostoso, faz de novo comigo
Quero sentir seu cheiro, ver seu corpo suar
Então atende o celular!"
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eu ligo pra você. - lizago one-shot
Romanceas brigas entre liz e thiago só aumentam e eles decidem terminar, até que, em uma madrugada chuvosa, a saudade chega no limite. *personagens do rpg "ordem paranormal". *inspirado na música "eu ligo pra você" de zé neto & cristiano.