II - Santa Casa de Misericórdia

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São Luís do Maranhão, 08 de dezembro de 1901

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São Luís do Maranhão, 08 de dezembro de 1901

É uma típica manhã ludovicense, quente e abafada. O hábito branco gruda no corpo volumoso de Irmã Tereza, que sente os pingos de suor escorrendo entre suas omoplatas, axilas e seios. O véu branco de algodão recobre os cabelos outrora negros, agora raiados de cinza. Todos os leitos da Santa Casa de Misericórdia estão ocupados; gemidos baixos ecoam pelos corredores escuros, de paredes robustas e brancas, abarrotados de pacientes acometidos por diferentes enfermidades.

Os sapatos fechados da religiosa fazem um som oco sobre o piso de tacos encerado. O ambiente está carregado pelo odor pútrido de doença e morte. Tereza não franze mais o nariz, pois, após quinze anos trabalhando com enfermos e moribundos, acostumou-se ao aroma de fim de vida. Ela dá alta a um menino de onze anos, que teve as pontas dos dedos da mão direita amputados enquanto auxiliava o pai no conserto de uma caldeira da fábrica de sabão. Casos assim são tão comuns quanto tuberculose, varíola, febre amarela e malária.

Apesar de estar acostumada ao cheiro da dor, Tereza espera jamais se acostumar ao sofrimento humano, chegando ao ponto de não se importar mais com uma alma que lamenta. Nas primeiras semanas de serviço dormia aos prantos, sentindo que seu trabalho era pequeno e insignificante. Na época, Madre Francesca chamou-a em sua sala, preocupada com as olheiras e olhos avermelhados da noviça que não parava de chorar durante o serviço.

─ Minha filha, o que está acontecendo? Você quer voltar para casa dos seus pais? ─ A Madre indagou com o sotaque italiano carregado ─ Sei que a vida na irmandade é bem diferente da que você estava acostumada.

Tereza sorriu entre lágrimas, pois abraçou a vida religiosa para fugir do jugo do casamento, em hipótese alguma pensava em voltar para a casa paterna. Queria ser médica, como seu irmão, mas seu pai, dono de fazendas de algodão dissuadiu-a da ideia absurda. Nenhuma das três faculdades de medicina do país aceitava mulheres em seu quadro. Juntar-se à irmandade da Santa Casa foi o mais próximo que conseguiu desse sonho.

─ Madre, é que sinto que fazemos tão pouco ─ Respondeu chorosa ─ Ontem despachei uma criança para morrer em casa, hoje foi um bebezinho que morreu de desinteria nos meus braços, anteontem vi serrarem a perna daquele senhor que foi esmagado em uma construção.

─ E quantos você atendeu além deles? ─ Francesca questionou com seus olhos azuis enrugados.

─ Nem lembro Madre, foi tanta gente...

─ Você lembra da moça tísica que teve alta? Da mãe que saiu feliz com o filho recuperado? Daquele idoso que agradeceu os remédios?

A noviça acenou negativamente

─ Então, minha filha, você está olhando para o lugar errado! ─ A idosa fitou a jovem por um tempo, via determinação e bondade nos olhos verdes. Certamente Tereza tinha mais de uma dúzia de pretendentes, antes de decidir vestir o hábito ─ Você sabe citar as catorze obras de Misericórdia?

A mulher de Pés de SapoOnde histórias criam vida. Descubra agora