Meus pés latejavam dentro do tênis, e minha cabeça doía recostada no penúltimo banco do ônibus. Estava exausta.
Não estudo na cidade onde moro; faço Informática no IFF e estou no segundo ano do ensino médio. Era por volta das cinco e meia da tarde quando o ônibus saiu da rodoviária.
Na parada seguinte, entraram duas crianças e uma mulher. As duas meninas se sentaram atrás de mim, e desde então não ficaram quietas. A mulher sentou-se ao lado delas.
Apesar do som estrondante do telefone, o qual assistiam a um desenho, e as risadas incessantes, não me incomodava. Eram crianças, podiam virar o ônibus de cabeça para baixo e, ainda assim, eu permaneceria na minha. Desde que não encostassem em mim.
Essas pestinhas começaram a subir na parte de trás da cadeira, puxar meu cabelo e sentar rapidamente aos risos. Relevei, afinal, eram crianças. Mas não foi uma única vez. Foi a segunda, a terceira... Isso estava me tirando do sério.
- Não subam na cadeira, meninas - era o que aquela mulher igual a um sarue, com voz fanha e mole, aparentemente mãe das crianças, dizia sem efeito.
Já havia se passado meia hora desde o início da viagem. O céu começava a escurecer, e as crianças continuavam a subir no banco e a socá-lo, como se suas vidas dependessem disso.
Sabia que uma hora ou outra iriam encostar a mão no meu cabelo novamente, e de fato o fizeram.
Não me leve a mal, mas ninguém gosta de ser tocado, ainda mais por pessoas desconhecidas. Além do mais, meu cabelo é cacheado, e elas estavam comendo biscoito pega fogo. E para tirar o cheiro depois? Aquela mulher não vai comprar os produtos que uso nele!
Quando encostaram pela quarta vez, levantei, virei-me na direção delas e disse:
- Vai puxar meu cabelo de novo? Relevei uma, duas, três vezes... esta já é a quarta - nesse momento elas já estavam sentadas quietas, pois perceberam que eu não estava brincando - Vocês não iam gostar se alguém puxasse o cabelo de vocês.
Sentei-me com a cabeça mais latejante do que nunca. Acordo todos os dias às quatro da manhã para pegar o ônibus que me leva ao IFF e volto no mesmo, depois das seis da tarde, isso com sorte.
- Podem continuar a brincar, crianças - disse a mulher. - Só quem pode chamar a atenção de vocês sou eu, mais ninguém - ri irônica.
Até este momento, ela não tinha chamado a atenção delas. Agora que outra pessoa fez isso, ela quer fazer graça? Respirei fundo e me mantive calada, mesmo com a vontade de respondê-la. Seu telefone começou a tocar e a mesma atendeu. Até o som dele era irritante como ela.
- Oi... não é nada não... é só uma louca que ameaçou bater nas minhas filhas - quando ela falou aquilo, meu sangue esquentou, quase podia sentir seu gosto na boca.
O que ela está pensando? Não se ameaça crianças, todos sabem disso. E é óbvio que eu não fiz isso; apenas falei que elas não gostariam que alguém puxasse seus cabelos.
Olhei para trás, fixei meus olhos nos dela, já com o barraco pronto, até porque não tenho sangue de barata.
- Em momento algum disse que ia bater nas suas filhas, apenas disse que elas não gostariam que puxassem o cabelo delas - falei indignada. - E outra coisa, você não age!
- Falou sim! E eu chamei a atenção delas para sentarem. E além do mais, eu não vi elas puxando seu cabelo.
Olhei para fora do ônibus e já estava chegando na minha parada. Peguei minha mochila, pus nas costas e levantei, pronta para sair. Já não estava mais aguentando aquela mulher.
- 'Tá incomodada? Compra um carro! - gritou enquanto tentava me desvensilhar das pessoas, porque era ônibus de horário de pico, como se eu fosse abaixar a cabeça para ela por ser mais nova e estudante.
- Compra você! Ninguém é obrigado a aguentar essas crianças xexelentas no ônibus. Todo mundo aqui está cansado, tendo que ouvir gritaria de criança!
- Não 'tô nem ouvindo, oh - devia estar com o piru enfiado no ouvido.
- Arruma problema com os outros no ônibus e agora é surda?
O ônibus parou, e eu desci, ignorando-a completamente, pronta para socar o primeiro que aparecesse.
☆Notas da autora☆
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Boa leitura!
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Viagem de volta
Non-FictionIr e voltar de ônibus de segunda a sexta para estudar não é fácil, ainda mais quando as pessoas estão prontas para tirar sua paz a qualquer deslize. História de capítulo único, baseada em fatos reais.