O CREPÚSCULO se derramava sobre a pequena cidade de Castanheiras, pintando de cinzento as fachadas dos casarões antigos. A chuva, incessante, transformava as ruas em espelhos d'água, e o vento uivava como um animal faminto.
Dentro do Colégio Estadual José de Alencar, as luzes fluorescentes cintilavam, iluminando a expressão de alívio de Aila, que enfim se libertava daquela prisão. Clara, por sua vez, parecia perdida em seus próprios pensamentos, a cabeça baixa, protegendo o rosto da chuva com o capuz do casaco cor-de-rosa.
As duas amigas caminharam em silêncio pelas ruas escorregadias, tendo como única companhia o ruído das gotas d'água. Ao adentrarem o Café das Orquídeas, um calor aconchegante as envolveu, dissipando a umidade que as impregnava. Aila se acomodou em seu lugar de sempre, no canto mais escuro do salão, e pediu um café forte. Clara, mais hesitante, escolheu um chá de camomila.
A garçonete se afastou, levando consigo os pedidos. Aila tamborilou os dedos na mesa de madeira, quebrando o silêncio que se instalara no aconchegante interior do café.
— É inacreditável que mais um semestre se passou e estamos prestes a nos formar… — iniciou Aila, os olhos brilhando com uma mistura de ansiedade e alívio. — Mal posso esperar para deixar essa escola para trás.
Clara assentiu, um sorriso melancólico curvando seus lábios. Apesar de compartilhar a mesma expectativa por um futuro livre das obrigações escolares, a amiga demonstrava uma certa nostalgia.
— Confesso que também sinto um misto de emoções. A escola sempre foi um lugar especial para mim... — disse Clara, sua voz suave contrastando com a determinação de Aila. — E, para piorar, vi Juliano e Brenda andando de mãos dadas hoje. Parece que eles estão mais apaixonados do que nunca.
Aila revirou os olhos, a irritação evidente em sua expressão.
— Aquela cobra... Não duvido de nada que venha dela. Mas, amiga, você merece alguém muito melhor. Juliano não passa de um babaca. Tenho certeza de que você vai encontrar alguém que te valorize de verdade.
Clara suspirou, seus olhos se embaçando.
— Eu sei que você tem razão, Aila. Mas é difícil esquecer...
Aila observou a amiga com compaixão, sentindo um aperto no coração. A paixão que nutria por Clara era um segredo que ela guardava a sete chaves. A ideia de revelá-lo era aterrorizante, pois temia perder a amizade da única pessoa que a entendia de verdade. Além disso, a família de Clara era extremamente conservadora, e qualquer indício de uma relação homoafetiva poderia causar um grande escândalo.
Aila estendeu a mão e tocou levemente a de Clara, transmitindo um gesto de apoio e cumplicidade. A amiga retribuiu com um sorriso doce, que fez o coração de Aila acelerar.
— Tenho certeza de que você vai superar isso, Clara. Você é a pessoa mais forte que conheço… — afirmou, buscando confortar a amiga.
— Obrigada, Aila. Acho que você tem razão. É só uma questão de tempo… — respondeu Clara, parecendo mais aliviada. Em seguida, levantou-se e pegou sua nécessaire. — Vou ao banheiro rapidinho e já volto.
Aila observou a amiga se afastar, sentindo um misto de preocupação e admiração. Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada de um grupo de idosos, que se acomodaram em uma mesa próxima. A conversa deles, inicialmente baixa, logo chamou a atenção de Aila, conhecida por sua curiosidade.
— Isso é conversa fiada, Gertrudes — ouviu um dos homens dizer à sua companheira. Intrigada, Aila aproximou-se um pouco mais, escutando atentamente. — Ninguém nunca viu nada de concreto sobre isso na região.
— Só porque não foi visto, não significa que não exista, Jerônimo. Talvez tenham procurado no lugar errado — retrucou a senhorinha.
— Mas do que vocês estão falando, afinal? — indagou outra senhora, mais curiosa ainda.
— Estamos falando do sanatório da cidade, Ofélia — respondeu Jerônimo, abaixando a voz.
Aila arregalou os olhos. Um sanatório? Ela morava ali a vida inteira e nunca havia ouvido falar de algo assim.
— Um sanatório? E ele ainda funciona? Onde fica? — questionou o outro homem, demonstrando espanto.
— É apenas uma lenda, Rui. Dizem que abrigava todos os loucos da região. Ninguém sabe ao certo onde ele fica, e muitos acreditam que já foi demolido… — explicou Jerônimo, lançando um olhar enigmático para os demais.
Aila sentiu um arrepio percorrer sua espinha. A ideia de um sanatório abandonado nas proximidades da cidade era fascinante e um pouco assustadora ao mesmo tempo. Como ninguém nunca havia investigado a fundo essa história, era impossível saber se era apenas uma lenda ou se havia algo mais.
Clara retornou do banheiro, interrompendo os devaneios de Aila. A garçonete, quase que em sincronia, chegou à mesa, depositando os pedidos quentes. Clara observou a amiga com curiosidade.
— Você está bem distante, Aila. Desde que voltei do banheiro, você parece perdida em pensamentos.
Aila desviou o olhar, seus olhos fixos no grupo de idosos que ainda conversava animadamente sobre o antigo sanatório. Tomou um gole de seu café forte, o líquido quente descendo por sua garganta como um raio de lucidez.
— Acho que já sei o que vamos fazer nas férias... — murmurou, um sorriso enigmático curvando seus lábios.
NOTAS.
Sempre amei escrever e compartilhar minhas histórias com vocês. Mas desta vez, resolvi ir um passo além e apresentar algo ainda mais pessoal. Essa história é fruto da minha imaginação, com pitadas da minha própria realidade. Espero que se conectem com ela tanto quanto eu me conectei ao escrevê-la. ❤️
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THE ECHOES OF MADNESS • autoral.
Mystery / ThrillerEm busca de emoções na pacata cidade de Castanheiras, a adolescente Aila e sua melhor amiga Clara se veem envoltas por um mistério intrigante. Impulsionadas pelo tédio e por um fascínio por histórias macabras, elas são atraídas por um antigo sanatór...