Recomeço

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Enquanto a cafeteira chiava, os pensamentos sobre o dia que estava por vir me preocupavam. Tinha que ir à faculdade e, depois, encontrar meus pais.

Beto apareceu na cozinha, a expressão séria.

— Bom dia — disse ele, com um leve sorriso, mas os olhos mostravam que ele ainda estava magoado.

— Bom dia — respondi, tentando não deixar o clima pesado me abalar.

Sentamos e tomamos o café em um silêncio constrangedor. Depois de alguns minutos, Beto quebrou o silêncio.

— Júlia, precisamos conversar sobre ontem à noite — disse ele, a voz baixa, mas firme.

— Eu sei, Beto. Mas não agora, por favor — respondi, sentindo um nó na garganta. — Preciso me concentrar na faculdade hoje.

Ele suspirou, parecendo frustrado, mas assentiu.

— Não podemos deixar isso de lado.  — insistiu ele.

— Eu sei. Prometo que conversamos quando eu voltar — disse, tentando aliviar a tensão.

Terminei rapidamente e me levantei para me arrumar para a faculdade. Enquanto me preparava, Beto continuava observando, a preocupação evidente em seu rosto.

— Vou sair agora — falei, hesitante.

— Tá bom — ele respondeu, sem tirar os olhos do celular.

Ao chegar na faculdade, tentei me concentrar nas aulas, mas minha mente estava dispersa. No intervalo, encontrei Guilherme no corredor. Ele me viu e veio na minha direção, um sorriso triste no rosto.

— Júlia, que bom te ver — disse ele, me abraçando. Senti a sinceridade no abraço dele e, por um momento, me permiti relaxar.

— Giui, como você está? — perguntei, tentando esconder minha própria angústia.

— Melhor agora que te vi — respondeu ele, olhando nos meus olhos. — E você? tudo bem? eu sinto tanta saudade de nós.

— Está complicado. Mas vou ficar bem — disse, tentando manter a voz firme. — A vida era mais fácil, mas eu procurei meus problemas.

Ele segurou minhas mãos, os olhos cheios de preocupação.

— Se precisar de qualquer coisa, tô aqui, tá? — disse ele, e eu assenti, agradecida.

O dia passou arrastado, e finalmente chegou a hora de encontrar meus pais. Combinei de encontrá-los em um café próximo à faculdade. Estava nervosa, sabendo que eles não ficariam satisfeitos com minhas explicações.

— Júlia, minha filha — minha mãe disse, me abraçando com força.

— Oi, mãe. Oi, pai — respondi, abraçando-os de volta.

Sentamos e pedimos algo para beber. Depois de um tempo conversando sobre coisas triviais, meu pai entrou no assunto que eu temia.

— Júlia, estamos preocupados com você. Queremos que volte a morar com a gente. Essa situação com o Beto não está te fazendo bem — disse ele, direto.

Senti um aperto no peito e olhei para eles.

— Eu... eu preciso pedir autorização para o Beto — respondi, nervosa. — Ele sabe o melhor para mim.

Eles se entreolharam, claramente surpresos e confusos.

— Autorização? — minha mãe perguntou. — Júlia, você não precisa de autorização para nada. Você é nossa filha, estamos preocupados com você.

— Eu sei, mãe, mas... é complicado. Vou falar com ele, tá bem? — tentei aliviar a tensão.

— Júlia, ele está te agredindo? — meu pai perguntou de repente, a voz baixa e séria. — Me fala que eu mando esse filho da puta pro inferno.

— O quê? Não, claro que não! — respondi, chocada. — Beto nunca me machucaria.

Eles não pareciam convencidos, mas assentiram. Terminei o encontro o mais rápido que pude e voltei para casa, onde Beto já me esperava.

— Como foi com seus pais? — perguntou ele, ainda sem me olhar nos olhos.

— Eles querem que eu volte a morar com eles — disse, sentindo o nervosismo crescer.

Beto parou o que estava fazendo e me olhou, a expressão séria.

— E o que você disse? — perguntou, a voz tensa.

— Eu disse que ia falar com você antes — respondi, sentindo meu coração acelerar.

Ele franziu a testa, claramente irritado.

— Você acha que eu vou deixar você voltar pra favela, Júlia? — ele quase gritou. — Não vou permitir que você se coloque em perigo de novo.

— Mas Beto, são meus pais! Eu não posso simplesmente ignorá-los — tentei argumentar.

— Ignorar? Eles estão tentando te afastar de mim, é isso? — ele disse, a voz subindo. — Eu arrisco minha vida todo dia, Júlia! E tudo o que você faz é querer voltar para aquele lugar maldito!

— Não é assim, Beto. Eles estão preocupados comigo. Eles perguntaram até se você estava me agredindo! — explodi, a frustração tomando conta de mim.

Os olhos de Beto se arregalaram de raiva.

— Eles o quê? Acham que eu te machuco? — Ele deu um passo em minha direção, e eu recuei, assustada com a intensidade de sua reação.

— Eu disse que não era verdade! Mas eles estão preocupados, não entendem a nossa situação — falei, com a voz trêmula.

Beto se aproximou mais, me fazendo recuar até a parede. Por um momento, achei que ele fosse explodir, mas então, ele me surpreendeu segurando minha nuca com firmeza, mas de forma gentil.

— Júlia, eu te amo — disse ele, a voz baixa e intensa. — Quero me casar com você, pra te tirar de vez daquele lugar. Não quero que você nunca mais tenha que voltar para casa com medo. Quero te proteger e estar com você pra sempre.

Eu olhei para ele, sentindo um misto de medo e emoção. As palavras dele me atingiram profundamente, e eu sabia que, apesar de tudo, ele realmente queria o melhor para nós.

— Casar? — murmurei, tentando processar tudo.

— É, casar — ele repetiu, agora um pouco mais calmo. — Eu quero você ao meu lado, segura e feliz. Vamos nos casar e começar uma vida nova, longe de todo esse perigo..

— Eu também te amo, Beto — respondi, emocionada. — Vamos fazer isso, mas precisamos resolver isso juntos. Não posso simplesmente ignorar meus pais.

Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo.

— Eu sei, mas você tem que entender que eu só quero o seu bem. Vamos pensar numa maneira de resolver isso — disse ele, me puxando para um abraço.

Ficamos ali, abraçados, tentando encontrar conforto um no outro em meio ao caos de nossas vidas. Então, Beto me puxou para um beijo profundo, carregado de emoções. A raiva, a frustração, o amor e a esperança se misturaram naquele beijo, e por um momento, tudo parecia fazer sentido.

Laços Invisíveis | capitão nascimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora