Capítulo 4: Mentiras Reveladoras

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Acordei com uma dor latejante na cabeça, como se algo estivesse preso em meu crânio, martelando para sair. O quarto estava escuro, o único som era o leve farfalhar das folhas do lado de fora, sendo empurradas por um vento preguiçoso. Senti o suor frio em minha pele, a camisa de cama grudada em minhas costas, mas era a sensação de algo mais que fazia minha respiração acelerar.

Por um instante, permaneci imóvel, olhos abertos, fixos no teto escuro. As cenas do dia anterior e das semanas anteriores giravam em minha mente como um caleidoscópio de imagens distorcidas. A cena de crime da noite anterior, a conversa com Clara e Turner, o assassinato... tudo estava se embaralhando em um fluxo desconexo. Não era apenas o cansaço que me afetava agora; algo estava se esgueirando pelas brechas da minha mente, uma sensação incômoda de que eu estava perdendo controle, não só da situação, mas da minha própria sanidade.

Eu me forcei a levantar da cama, os músculos rígidos pelo sono interrompido. O relógio no canto piscava 6h30, mais uma noite de sono ruim, se é que havia dormido. Meus pensamentos eram nebulosos, e a dor de cabeça persistia. No banheiro, me olhei no espelho novamente, como um reflexo de quem eu costumava ser. As olheiras estavam mais escuras, os olhos avermelhados como se eu não tivesse dormido há dias — e de certa forma, não havia mesmo.

Lavei o rosto, tentando me concentrar no que estava por vir. A água fria contra minha pele era uma tentativa desesperada de trazer clareza, mas em vez disso, só parecia me fazer mergulhar mais fundo na névoa da exaustão. No entanto, eu sabia que não poderia vacilar. Turner e Clara esperavam algo de mim, uma contribuição para o caso, uma peça do quebra-cabeça que eles ainda não tinham. Eu não poderia me dar ao luxo de parecer inútil.

O café, como de costume, estava frio. Já tinha passado do ponto de me importar com isso. O gosto amargo era familiar, quase reconfortante de uma maneira que me fazia lembrar que, por mais caótica que fosse minha mente, algumas coisas ainda permaneciam inalteradas. Coloquei a caneca de lado e peguei meu casaco. Precisava estar na delegacia em meia hora, e não podia me atrasar — não depois do que aconteceu na última cena de crime.

O barulho da delegacia me atingiu assim que entrei, como um som de fundo constante que se misturava aos meus próprios pensamentos. Telefones tocando, vozes elevadas, o som rápido e determinado de passos no corredor. Papéis estavam espalhados por mesas, amontoados em pastas e empilhados em pilhas desorganizadas. O cheiro de café requentado e tinta de impressora enchia o ar, uma combinação quase nauseante, mas que eu já havia me acostumado. Isso era a delegacia: um caos organizado, onde o desespero pelas respostas muitas vezes superava a lógica.

Passei por algumas mesas e avistei Turner ao longe, já imerso em uma pilha de relatórios, com uma caneta entre os dedos e uma expressão que oscilava entre concentração e frustração. Clara estava ao seu lado, examinando um gráfico, como sempre, com aquela calma analítica que a fazia parecer imune à desordem ao redor.

— Jack — Turner me chamou com um aceno de cabeça. — Precisamos conversar.

Eu me aproximei, puxando uma cadeira que rangeu ao ser arrastada pelo chão de linóleo. Olhei para Clara, que estava compenetrada em seus papéis, suas sobrancelhas levemente franzidas enquanto analisava o gráfico. Havia algo nela que sempre me deixava desconfortável, como se ela pudesse ver através das minhas mentiras com um único olhar. Seus olhos, ao contrário dos de Turner, eram frios, clínicos.

— Encontraram alguma coisa nova? — perguntei, me esforçando para parecer focado. Minha cabeça ainda latejava, e eu sabia que meu desempenho estava ficando cada vez mais inconsistente.

— Clara identificou algo interessante — disse Turner, apontando para um dos gráficos que ela segurava. — Parece que o assassino está seguindo um padrão. Ele escolhe vítimas com uma conexão emocional com os locais onde ocorrem os crimes.

Clara virou-se para mim, e sua voz cortante soou mais uma vez: — Estamos mapeando essas conexões, e já podemos prever qual será o próximo alvo.

Me inclinei para observar o gráfico, tentando absorver os detalhes apesar do caos em minha mente. Mas era difícil se concentrar. A cada número, a cada linha traçada ali, parecia que minha visão tremia.

— Isso faz sentido... — murmurei, mais para mim mesmo. Clara franziu as sobrancelhas e me encarou com um olhar analítico.

— Alguma ideia, Jack? — ela perguntou, como se me desafiasse a fornecer algo útil.

Eu engoli em seco, a pressão crescendo em meu peito. Minhas mentiras, minhas teorias, todas estavam se misturando em um nó confuso.

— Talvez... o assassino esteja ficando mais confiante. Cada crime parece mais limpo, mais... planejado. E se ele estiver mudando sua maneira de agir porque já sabe que estamos chegando perto? — Falei com mais convicção do que realmente sentia, tentando ganhar tempo para processar qualquer outra coisa que me viesse à mente.

Clara ergueu uma sobrancelha, claramente cética, mas não disse nada.

Turner, por outro lado, assentiu lentamente, como se estivesse considerando minha hipótese.

— Pode ser — ele disse. — Mas precisamos de mais. Temos outra cena de crime para examinar. Vamos sair agora.

A viagem até a nova cena de crime foi marcada por um silêncio tenso. O carro balançava suavemente enquanto cruzávamos a cidade, e eu não conseguia afastar a sensação de que algo estava profundamente errado. Não com o caso, mas comigo. A insônia estava me corroendo, e, pior do que isso, estava me fazendo duvidar de mim mesmo. As mentiras que contava eram tão frequentes que, às vezes, eu começava a esquecer o que era verdade.

Quando chegamos ao local, fui recebido pelo cheiro forte de sangue seco, misturado com umidade e um leve toque de mofo, como se a própria casa estivesse abandonada há muito tempo. A cena diante de mim era um caos, mas havia uma ordem perturbadora em tudo. Móveis estavam virados, livros espalhados pelo chão, mas, no centro da sala, onde o corpo havia sido encontrado, tudo parecia... arranjado.

Turner e Clara começaram a trabalhar imediatamente, trocando palavras rápidas e examinando o ambiente. Eu me afastei um pouco, tentando me concentrar. O cheiro pesado me invadia, fazendo o estômago revirar, mas eu sabia que precisava continuar. Precisava manter a fachada.

Olhando para as marcas nas paredes, a confusão de objetos, comecei a notar o padrão de sempre. Mas dessa vez, algo se destacava. O assassino não apenas deixava a letra "A" marcada em sangue, mas havia outra coisa. Algo sutil. Me aproximei lentamente, analisando os detalhes com mais atenção.

E então, vi.

Uma foto jogada no canto, quase oculta por uma pilha de papéis. Peguei-a e senti um arrepio correr pela minha espinha. A imagem era de uma das vítimas anteriores, sorrindo para a câmera. Ao fundo, algo que eu reconheci imediatamente. Era o mesmo local do crime anterior. Isso não podia ser coincidência.

Clara se aproximou, com seus olhos frios analisando tudo o que eu fazia.

— O que foi que você encontrou? — perguntou, a voz sem emoção.

— Isso — disse eu, mostrando-lhe a foto. — Isso é... mais do que coincidência.

Ela olhou a foto por um longo momento antes de se virar para Turner.

— Ele está certo. Isso pode ser importante. Precisamos investigar mais a fundo.

Enquanto Turner concordava, senti um peso no peito. A sensação de que algo maior estava prestes a se revelar. Mas eu sabia que, no meio de tantas mentiras, a verdade que eu tanto evitava estava mais perto do que eu podia suportar.

Naquele momento, uma memória distante, enterrada sob camadas de exaustão e mentira, emergiu na minha mente. Uma conexão que não fazia sentido, mas que insistia em se repetir, cada vez mais forte. Eu estava começando a lembrar, e isso me aterrorizava.

Eu sabia que havia algo errado. Não com o assassino. Não com Clara, Turner, ou as investigações. Mas comigo.

JACK CARTEROnde histórias criam vida. Descubra agora