Prólogo O favor de quem foi um deus menor a alguém que foi um demônio
Sete de junho
Província de Anhui
Alguma casa de chá no vilarejo próximo a HuangShan
Estava prestes a anoitecer.
Migalhas restavam dentro das duas pequenas tigelas, as chávenas simples vazias, guardando apenas um leve aroma do que agora preenchia seus estômagos.
Da mesa baixa que ocupavam, via-se uma vista restrita da rua bucólica e ambos estavam quietos, até que um deles tocou levemente a máscara em seu rosto.
A máscara bem ajustada sobre o lado deformado de seu rosto era o estigma da separação que viria a seguir.
Lao Shi não sabia qual material Shan Ling tinha utilizado, mas não era desconfortável, não pesava e carregava certo requinte como as mãos de quem a tinha produzido.
Quando observou seu reflexo no espelho, assim que o sacerdote encaixou a máscara, aquele homem sem identidade se sentiu alguém diferente do habitual.
Um pouco menos repugnante, talvez um pouco misterioso, mas não menos sozinho do que o costume vivenciado em milênios.
Ele não tocaria mais no assunto, a possibilidade de Shan Ling desistir de tudo, era impossível.
Também havia desistido de perguntar sobre a confecção da máscara, o silêncio começava a ficar pesado.
O indicador de Shan Ling tocou suavemente sua palma, a ponta do dedo morna.
Na mente de Lao Shi esse toque se assemelhava a cutucar um animal na beira da estrada, se fingindo de morto.
— Já sabe que caminho irá seguir?
Lao Shi, por outro lado, bateu com a ponta do dedo no próprio queixo, desviando seu olhar da rua bucólica para o sacerdote.
O olhar do homem da máscara parecia entediado.
— Por que Shan Ling quer saber? Quer me seguir... Caso mude de ideia?
Shan Ling virou o rosto sério diante do tom provocante, austero.
Sua resposta foi recolher a mão e jogar no meio da mesa uma bolsinha contendo uma quantia generosa de moedas.
Lao Shi moveu o olhar sobre a bolsinha aveludada, com certa reserva, embora... O quão miserável se sentia.
— Sabe perfeitamente que vou voltar para oeste. — Shan Ling replicou. — A quantia na bolsa deve facilitar seu transporte ou abrigo, até decidir o que vai fazer ou que rumo pretende tomar.
— Preocupado que eu seja desonesto? — Lao Shi ironizou, soerguendo levemente a sobrancelha. — Na minha situação, não tenho muita opção, além de ser um mentiroso.
Shan Ling também olhou para fora, a escuridão tomando conta da viela, a suspirar.
— Se pensar bem, também não sou um mentiroso? Ao menos seja um mentiroso inofensivo... Proteja a si mesmo, mas não prejudique ninguém.
Lao Shi riu inevitável, seu escárnio habitual escapando em doses comedidas.
— É seu último conselho para um homem sem nome, sacerdote? É estranho pensar que conserve alguma fé em mim.
Havia alguma complacência ao devolver o olhar para Lao Shi, certa cumplicidade.
— Eu já estive em situação semelhante a sua, então... Entendo. Sem nome, sem família para voltar, sem qualquer amarra no mundo que fizesse a vida ter sentido.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Jun Wu - A Terceira Face do Príncipe • Livro 3
Fanfiction⚠️ Aviso importante ⚠️ Fanfic com temas sensíveis como abuso, gore e tortura psicológica. ◇ Essa é a continuação da Fanfic "Jun Wu A Terceira Face do Príncipe", aqui começamos o último livro dela, o livro 3. Aqui pretendo concluir essa imens...