- Nicolas Sales
Acordei com o primeiro toque do despertador; normalmente, só me levanto no terceiro (o mais estrondoso). Lembrando disso, desligo os alarmes seguintes. Prefiro acordar cedo durante a semana, especialmente quando tenho aulas ou compromissos importantes. Infelizmente, levanto-me cabisbaixo para o banho.
Sou detalhista, talvez até exagerado. Por isso, minha mochila sempre parece um pouco pesada demais. Tenho uma obsessão por estar preparado para tudo, o que me leva a carregar mais coisas do que o necessário. Embora raramente eu precise de alguma dessas coisas, a ideia de ser pego desprevenido é intolerável para mim.
Saí do quarto trinta minutos depois que o despertador tocou. Como faltavam exatos trinta minutos para o início das aulas, peguei meu café para comer no caminho até o colégio, que fica a cerca de 10 a 15 minutos de casa. Sempre saio com antecedência, temendo imprevistos que possam me fazer perder o horário. Isso aconteceu uma vez, e desde então, não tenho coragem de sair de casa sem tempo de sobra. No caminho para o carro, me perco em pensamentos e, por isso, demorei um minuto a mais para sair.
Ao abrir a porta, sou acolhido pelo frescor da manhã, o ar ainda carregando um leve toque de orvalho. A natureza ao redor é vibrante e me acalma. O chão estava úmido, sinal de uma noite tranquila. O canto perto dos pássaros se misturam com o som das folhas ao vento, uma serenidade que me faz questionar se deveria sair realmente de casa.
À medida que avanço, a natureza se despede. As árvores dão lugar ao concreto, as folhas caídas são substituídas pelo asfalto, e o canto dos pássaros desaparece no ruído dos motores. As plantas vibrantes ficam para trás, substituídas por cercas e jardins ordenados, sem a mesma vida das que deixei para trás. Quando chego perto do colégio, a tranquilidade já se dissolveu por completo. A cidade assume o controle, e me preparo para mais um dia onde a calma inicial se esvai na correria que me aguarda."A merendeira desce e o ônibus sai..." — Um trecho de uma música do Emicida surge na minha mente enquanto observo ao redor. A desigualdade racial é tão gritante, isso me recorda a infância no Brasil.
Cheguei no colégio exatamente às 07:16. Como cheguei mais cedo, o lugar estava vazio, apenas eu, os funcionários e os docentes. Cumprimentei meus professores e os funcionários da instituição, sempre tão dedicados. Fico imaginando que não deve ser fácil chegar tão cedo e sair tão tarde. E me dói ver a discrepância: os pretos com os esfregões, enquanto os brancos vão para os escritórios... Deixo essas questões de lado por um momento e vou até a sala de aula, onde encontro a professora Maria, de matemática, a mais jovem da instituição, já escrevendo o assunto na lousa.
— Olá, Tesla. — Ela me diz em português. Recentemente, descobri que, como eu, ela saiu do Brasil cedo, com a família, em busca de melhores condições de vida.
— Olá, Maria Filipa. Por que chegaste tão cedo ao recinto? — Uma das nossas brincadeiras mais comuns é usar essa linguagem rebuscada brasileira.
— Devido à lástima que vos causarei mais tarde, quando o sinal bater, cheguei cedo para anunciar uma atividade de sondagem pontuada e em dupla, para semana que vem. Uma pena que um jovem tão antissocial terá que sair de seu território em busca de ajuda. — Ela diz. Nota-se o quanto aprendeu com Paulo Freire e Bell Hooks.
— Paulo Freire estaria lisonjeado, minha cara docente. — Encerramos a breve conversa ao ouvir o irritante e alto sinal. Notei que, à medida que os alunos entravam, ficavam surpresos com a quantidade de informações que a professora já havia colocado no quadro.
É agora que o nervosismo me domina por completo. Estamos começando o último ciclo antes da universidade. Demorei para socializar e fazer amigos no último ano, e meu único amigo decidiu morar com o avô por ora, após enfrentar problemas familiares. Dentro do meu subconsciente, há um conflito sobre a nova rotina. Sinto inveja daqueles que buscam aventuras e novas experiências, porque esse não é o meu caso. Sou uma pessoa de rotinas bem estabelecidas, sem brechas. Ter o dia planejado me tranquiliza, é viciante essa sensação de controle, como se eu tivesse as cartas do imenso baralho da vida em minhas mãos.
Enquanto penso nisso e copio o que está sendo desenvolvido no quadro, as pessoas começam a chegar à sala, e percebo aquilo que mais temia: o grupo maquiavélico está aqui. Estou preso com eles...
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Véus de Ternura: A História de Um Amor
Teen Fiction"Véus de Ternura: A História de Um Amor" é um romance que nos convida a acompanhar a jornada de autodescoberta de um jovem, refletindo a própria trajetória. A história segue um garoto que, ao explorar o mundo e os sentimentos que o cercam, busca res...