Capítulo 47: O Post

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No dia seguinte, acordei com o som irritante do meu celular vibrando incessantemente ao lado da cama. Peguei o aparelho e vi uma série de notificações de mensagens e reações em redes sociais. Confusa e ainda meio grogue de sono, abri o Instagram e imediatamente fui bombardeada por uma enxurrada de mensagens, comentários, e curtidas.

Havia uma foto no meu feed, mas não fui eu quem postou. Era a foto que Gabriel tirou das nossas mãos na escola, logo depois daquele beijo estranho e desconcertante. Ele havia colocado uma legenda que me fez engolir em seco: "O pai agora tá comprometido ❤️". A foto já tinha recebido algumas curtidas e comentários, com amigos e conhecidos parabenizando o "novo casal" e desejando felicidades.

Meu estômago revirou. Gabriel não havia perguntado se eu queria que ele postasse aquilo, muito menos se eu concordava em tornar nosso suposto "relacionamento" público. Na verdade, ele nunca perguntou se eu queria qualquer coisa com ele. O beijo de ontem foi coisa dele, não foi um começo de nada que eu quisesse, e ainda assim, ele decidiu por nós dois, sem me consultar.

Uma parte de mim queria confrontá-lo, pedir explicações, dizer que não estava confortável com o que ele havia feito. Mas a outra parte, a mais hesitante e insegura, tinha medo. Medo de como ele reagiria se eu questionasse suas ações. Medo de parecer ingrata ou fria. Medo de estar fazendo tempestade em copo d'água. Talvez eu devesse ser grata por alguém como ele ter me beijado e ter prazer em divulgar que é meu namorado.

Levantei da cama e me preparei para ir à escola, mas a sensação de desconforto não me deixou. Tentei pensar em algo positivo, como as palavras de incentivo de algumas meninas da minha turma nas mensagens, mas mesmo esses elogios pareciam rasos e fora de lugar.

Na escola, os olhares curiosos e sorrisos cúmplices de meus colegas só aumentaram minha ansiedade. Era como se todos estivessem comentando sobre nós, como se Gabriel e eu fôssemos o casal do momento, o que só piorava a sensação de que eu não tinha controle sobre o que estava acontecendo na minha vida.

Eu nunca me senti relevante na vida. Nunca gostei de ser o centro das atenções. Gabriel não era um garoto muito popular. Por que esse relacionamento estava chamado tanta atenção? Acho que esse longo periodo de monotonia na escola, fez as pessoas se ligarem na mais minima novidade.

Durante o intervalo, encontrei Gabriel no corredor. Ele estava conversando com alguns amigos, mas assim que me viu, veio em minha direção com um sorriso convencido. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele me puxou para um canto, me segurando pela mão como se já fossemos um casal de verdade.

— E aí, gata? Gostou da surpresa? — perguntou, referindo-se ao post.

Eu hesitei, tentando encontrar as palavras certas para dizer como me sentia, mas tudo o que saiu foi um murmúrio quase inaudível:

— Gabriel, sobre o post... você deveria ter me perguntado antes.

Ele franziu a testa por um breve segundo, mas logo recuperou o sorriso.

— Relaxa, Raquel. Agora todo mundo sabe que a gente tá junto. É melhor assim, não é?

Eu queria dizer que não era assim que eu imaginava começar um relacionamento, que tudo estava acontecendo rápido demais e sem a minha permissão. Mas algo em mim impedia de falar. Talvez fosse o medo de contrariar, de causar um conflito que eu não sabia como lidar. Perto dele eu começava a me sentir fraca.

— Tá tudo bem, eu acho... — respondi, sentindo meu estômago embrulhar.

Gabriel sorriu, como se minha resposta fosse o que ele esperava ouvir.

— Isso aí. Vamos aproveitar, gata. Agora é oficial.

Eu achava ridículo toda vez que ele me chamava de "gata." Quem ainda fala assim?

Mas "gata" era um elogio... eu deveria gostar... não?

Será que eu preferia quando Erick me chamava de Urubu?

Ele me puxou para mais perto e, sem aviso, me beijou de novo. Desta vez, eu estava mais preparada, mas a sensação de desconforto era a mesma. Era um beijo vazio, sem calor, sem a faísca que sempre imaginei sentir.

Quando ele se afastou, eu forcei um sorriso, tentando ignorar o nó que se formava no meu peito. Ele não percebeu meu desconforto, ou se percebeu, decidiu ignorar. Continuou falando sobre os planos para o fim de semana, como se tudo estivesse perfeitamente normal.

Enquanto ele falava, minha mente vagava. O que estava acontecendo comigo? Eu sempre sonhei em namorar, em ter alguém especial, mas isso não parecia ser o que eu queria. Gabriel não era quem eu imaginava ao meu lado, e cada vez que ele tomava decisões por nós dois, sem me consultar, eu me sentia mais sufocada.

Naquele momento, percebi que tinha entrando em algo que não sabia como sair. E o mais assustador era que eu mesma havia permitido que isso acontecesse.

Entre Ódio e DesejoOnde histórias criam vida. Descubra agora