Reflexos

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CAPITÃO NASCIMENTO

A manhã chegou com a luz filtrando pelas janelas do apartamento. Eu preparei um café da manhã, esperando que Júlia pudesse ao menos tentar comer algo, mas ela estava visivelmente abatida e não tocou na comida. Sentamos na varanda para conversar.

— Júlia, precisamos agir com responsabilidade — falei, tentando ser firme. — Ir ao médico é o primeiro passo. Precisamos ter certeza de que o bebê está bem.

Ela olhou para mim, lágrimas nos olhos.

— Não sei se consigo lidar com isso agora, Beto. Tudo está desmoronando. Não me sinto pronta para ser mãe.

Tentando equilibrar minha firmeza com empatia, respondi:

— Entendo seu medo, mas enfrentar isso com responsabilidade é o que precisamos fazer. Ignorar não vai ajudar. Vamos ao médico e depois decidimos o que fazer.

Júlia concordou com um suspiro, e eu sabia que essa decisão era apenas o começo de um longo caminho.

Quando ela saiu para o trabalho voluntário, fui para uma operação na comunidade. No meio do caos da operação, encontrei um momento para falar com Matias, que estava ao meu lado.

—  Júlia tá grávida e não está lidando bem com isso — contei a ele, enquanto manobrava pelas ruas agitadas.

Matias ficou chocado.

— Caralho, Nascimento, isso é um grande peso. Como você tá lidando com isso?

— Estou tentando fazer o melhor que posso, mas tá complicado. Ela tá com muito medo e insegura. E eu tenho que ser o apoio que ela precisa, mas também preciso ser firme — respondi, exasperado.

Matias, com um tom sério, disse:

— Olha, você precisa ser firme com ela. Se não mostrar que está levando isso a sério, ela pode se sentir ainda mais perdida. Mulher nessa situação às vezes precisa de uma mão firme para lidar com a realidade.

Senti um desconforto crescente com o conselho de Matias.

— Eu entendo o que você está dizendo, Matias, mas não posso ser duro demais. Ela já  está em um estado emocional frágil. Ela precisa de apoio, não de um ultimato.

Matias franziu a testa.

— Não estou dizendo para ser insensível, mas você também não pode deixar ela levar isso tudo como se fosse fácil. A situação é grave e precisa ser tratada com seriedade.

— E eu estou tratando isso com seriedade, mas não podemos desumanizar a situação — argumentei, tentando manter a calma.

Matias parecia não entender a profundidade da situação.

— Às vezes, você tem que ser mais firme para que as coisas se ajeitem. Mulheres complicadas com essas coisas precisam de um empurrão.

A frustração tomou conta de mim, e eu rebati:

— Matias, isso não é uma questão de ser firme ou não. É sobre lidar com a situação com sensibilidade. Júlia está passando por um momento difícil e precisa de compreensão, não de uma abordagem do BOPE, porrq.

Matias deu um suspiro impaciente e, com um olhar desdenhoso, falou:

— Você está deixando uma garota de 20 anos tomar conta da sua vida. Ela é uma mimada que não sabe o que quer e você está deixando isso te dominar. Às vezes, é preciso tomar o controle e ser duro para que as coisas se resolvam.

Senti um aperto no peito. Matias estava sendo injusto e insensível.

— Isso não é sobre deixar alguém tomar conta da minha vida. É sobre enfrentar uma situação com humanidade. Júlia não é uma "mimada". Ela está com medo e insegura. E eu preciso estar lá para ela, não para desumanizar o que estamos passando.

Matias franziu a testa, claramente incomodado, mas sem mudar de opinião.

— Eu só acho que você deveria parar de ceder tanto e mostrar que tem controle da situação. Às vezes, a vida exige mais firmeza.

A conversa com Matias me deixou mais perturbado. Quando voltei para casa, o amanhecer estava próximo. Encontrei Júlia adormecida no sofá, claramente exausta. Peguei-a no colo com cuidado e a levei para a cama. Ela acordou com o movimento e se aninhou em meu peito.

— Sinto muito por tudo — disse Júlia, com a voz embargada. — Não sei o que fazer, mas estou tentando.

— Estamos juntos nisso, meu amor — falei suavemente. — Vamos enfrentar isso com coragem. Não importa o que aconteça, estamos ao lado um do outro.

Júlia chorava silenciosamente enquanto eu a abraçava. Ela parecia tão perdida e assustada quanto eu. Meu coração se apertava ao ver o sofrimento dela, e eu sabia que o caminho à frente seria desafiador.

Laços Invisíveis | capitão nascimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora