MAIO

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•• EU, VOCÊ e o que não dizemos! ••
Quando os olhos falam, as palavras silenciam.
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"O pior sentimento é parar de falar com alguém que vive conversava todos os dias." - FROZEN

PESADELOS ME ENVOLVEM como uma sombra sempre que o cansaço finalmente me vence. É como se cada vez que meus olhos se fechassem, eu voltasse para aquela noite. As imagens se repetem: os gritos abafados, o estrondo dos vidros se estilhaçando contra o chão, o frio metálico do impacto. Ainda sinto o eco da dor atravessando meu corpo, a prova viva de que sobrevivi.
Mas, e se Donavan não tivesse chegado a tempo?
E se a morte tivesse sido minha única companhia naquela avenida? Todo o amor que guardei, que protegi em silêncio, teria se perdido sem nunca ter sido vivido, sem nunca ter florescido. Que triste desperdício de existência seria...

Com mãos trêmulas, alcanço meu celular. A tela está rachada, um reflexo quebrado da minha própria fragilidade, mas a imagem de fundo ainda brilha, uma constelação irradiando um tom púrpura suave, como se ainda houvesse um brilho de esperança nas profundezas do caos. Meus olhos se prendem na última mensagem que enviei. A palavra "adeus" reluz fria na tela. Um adeus definitivo, como se eu soubesse que aquele poderia ser o meu último suspiro. E talvez fosse. Talvez Donavan tenha sido a mão invisível que me puxou de volta, desviando o trem que já seguia implacável em direção ao fim. Agora, sinto que o universo inteiro precisava se ajustar, como se eu tivesse rompido o ciclo, escapado por pouco de um destino que parecia inevitável.

******

11h15 da manhã.

Estou a três dias internada e ainda não pude ver Donavan.
As coisas que sei sobre seu estado de saúde são das conversas murmuradas que falam quando acham que estou dormindo.
Quando pergunto sobre Donavan todos se entre olham antes de responder qualquer coisa, menos a verdade.
Completamente impotente. É como me sinto em relação a tudo.
Eu não posso andar, não posso tomar banho sozinha e não posso ver Donavan.
Fico enfurnada na cama o dia todo com algum acompanhante.
Hoje é o dia da vovó Beth, ela está sentada, tricotando um cachecol enquanto assiste a roda da fortuna.

- Vovó!

- Sim, minha querida.

- Você poderia me fazer um favor?

- Claro que sim, o que você quer?

- Poderia ir até a UTI e tirar uma foto de Donavan para mim.

- Sinto muito, querida, isso é impossível. As enfermeiras não deixam ninguém entrar no quarto, somente Bárbara e Tim, e apenas por alguns minutos.

- Vovó, me diga a verdade. Donavan irá morrer? - minha voz sai trêmula e meus olhos se enchem de lágrimas.

Seu semblante muda tão rapidamente que me faz acreditar que sim. Ela engole seco antes de responder com cautela.

- Ele é forte, e está lutando bravamente para continuar aqui conosco! Donavan é um bom menino, os anjos estão cuidando dele.

Aceito sua resposta ainda que duvide dela. Me agarro a um fio esperança, suplicando internamente para que ele não parta.

Os dias no hospital se arrastaram, como se o tempo tivesse perdido o rumo. Parecia que eu já estava ali há um mês, quando, na verdade, apenas uma semana havia se passado. Mais três dias se foram até que, finalmente, recebi alta. Antes de partir, pedi à enfermeira, com quem eu criara uma amizade, que me levasse até Donavan. Meu pai estava no estacionamento, organizando as coisas no carro, e aproveitei esse breve momento para fugir para a UTI.

Sentada em uma cadeira de rodas, fui levada ao setor, com o coração pesando numa mistura de esperança e medo. Ao me aproximar do vidro que separava a realidade crua do que eu queria acreditar ser apenas um pesadelo, meu peito se apertou. Donavan estava deitado, o rosto quase invisível em meio aos aparelhos que mantinham sua vida. A faixa em sua cabeça, manchada de sangue, e o tubo de ventilação em sua boca pareciam gritar o quanto ele estava distante. Não reconheci o homem ali, seus traços se diluíram sob o peso da dor.

A perna fraturada repousava sobre três travesseiros, os braços, envoltos em gesso, eram meras sombras do que ele costumava ser. Era tudo tão branco, tão clínico, que a vida parecia ter fugido dali. Minha mente se encheu de memórias confusas e dolorosas - um momento estávamos juntos, negando nossos sentimentos, tentando esconder o que fervilhava por dentro, e no instante seguinte, o mundo desmoronou sobre nós, nos arrebatando.

Eu olhava para ele, mas o choque da realidade me impedia de reagir. Não havia lágrimas, apenas uma sensação de vazio que consumia qualquer possibilidade de emoção. A enfermeira me conduziu de volta ao meu quarto antes que meu pai notasse minha ausência.

No carro, o silêncio nos envolveu como um manto sufocante. Quase duas semanas após o acidente, eu estava em casa novamente. Meu pai me carregou com cuidado, seus braços fortes, mas o toque suave, como se temesse me quebrar também. Ao me colocar gentilmente sobre a cama, o peso do mundo parecia mais presente do que nunca.

- Está com fome? Quer alguma coisa?

Apenas nego balançado a cabeça.

- Certo, se precisa de mim é só chamar. Eu coloquei uma cadeira no chuveiro para auxiliar você no banho. Bárbara disse que quando chegar, lavará o seu cabelo.

- Está bem, obrigada. - sussurro sem forças.

Ele tenta agir com naturalidade como se logo tudo fosse voltar ao normal, talvez ele também queira acreditar nisso.

A porta do quarto se fecha com um clique suave, mas o som ecoa em mim como uma despedida silenciosa. Troco o ambiente impessoal do hospital pelo meu próprio quarto, onde o silêncio parece mais pesado. Da cama de lençóis brancos e sem vida para outra que, pelo menos, me oferece algum conforto. A comida também terá mais sabor, mesmo que o gosto amargo do que passou ainda me persiga.

No criado-mudo, o espelho reflete o resultado daquela noite que mudou tudo. O hematoma em meu rosto, outrora roxo e violento, agora dá lugar a tons mais suaves, um verde musgo que parece contar a história de sua própria cura. As escoriações, pequenas feridas em processo de cicatrização, começam a coçar, um incômodo persistente que me lembra que a dor ainda está ali. Respirar ainda machuca, e o simples ato de deitar se tornou uma batalha, me obrigando a dormir quase sentada, buscando algum alívio.

Os dias que seseguiram em casa foram um teste de resistência. Donavan, ainda inconsciente, preso à UTI, me deixava à deriva. A espera era uma agonia, uma tortura lenta. Cada dia se arrastava, e as semanas se acumulavam como uma pilha de pedras em meu peito. Eu só queria abraçá-lo mais uma vez.
Não!
Eu queria abraçá-lo para todo sempre.

EU, VOCÊ e o que não dizemos!Onde histórias criam vida. Descubra agora