Prólogo

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   Mais alguns segundos atrasados e aquela alma gasta sucumbida à lástimas não permaneceria neste mundo ou em qualquer outro.

Lembro-me vagamente daqueles momentos. O cheiro de chuva invadindo rapidamente meus pulmões, os pingos de água esparramando-se em minha pele, as rajadas de vento que batiam forte em meus cabelos, conseguia ouvir até mesmo o som que as árvores faziam ao serem balançadas com o vento, e logo depois o barulho estridente que faziam ao cair.

 Foi meu primeiro dia como demônio nesta terra miserável, eu não tinha experiência... Muito menos idade, como os humanos gostam de chamar.

Tudo ao meu redor me chamava a atenção, cada pequena movimentação me atraía o olhar, seres humanos sem perceber minha presença passavam por mim rapidamente como se estivessem correndo por temer o pouco tempo de vida que lhe resta, crianças humanas corriam e gritavam por ali enquanto seus pais as vigiavam, eu tinha um pequeno papel em minhas mãos que continha letras e números que não me recordo no momento, era um endereço, um lugar onde eu deveria ir... Mas não sabia como, então apenas me sentei na calçada esticando minhas pernas como se esperasse a resposta chegar magicamente até mim, mas eu sabia que isso não iria acontecer.

  Algumas horas se passaram, a lua e as estrelas foram surgindo lentamente no céu azul, que com o passar das horas mudou para laranja avermelhado e logo após para outra cor que não consegui distinguir do preto ao azul marinho, por horas permaneci naquela estreita calçada observando as nuvens se dissiparem pouco à pouco diferente dos pensamentos inquietos em minha mente.

Conforme fora anoitecendo, os pais gritavam os nomes de suas crianças que corriam de volta dando-lhe fortes abraços e logo depois saíam do local.

Quando notei, pingos leves de chuva caíam em meu rosto, molhando meu cabelo e as roupas desgastadas em meu corpo. Por ser meu primeiro caso, esperava que me levassem ao local ou me dessem mais detalhes, mas não, apenas um pequeno pedaço de papel que já deve estar encharcado, provavelmente eu seria punido ao retornar sem um contrato.

Quando a chuva ficou mais densa ao ponto de árvores despencarem, me abriguei embaixo de um telhado de alguma loja por perto onde passei a sentir somente o frio que inundava minha pele molhada, ao olhar ao redor pude perceber que não haviam mais pessoas nas ruas, poucos carros passavam na estrada em minha frente, poucas lojas permaneciam abertas, só o que se podia ouvir constantemente era o som da água em contraste com as superfícies que tocava.

  Após observar mais um pouco, percebi que havia alguém do outro lado da rua um pouco mais adiante, uma garota aparentemente jovem, como uma criança, tinha longos cabelos ondulados que se molharam com a chuva, mas houveram poucos cachos que permaneceram, seus olhos foram todos cobertos por pequenas mechas de seu cabelo, suas roupas molhadas estavam coladas ao corpo, seus braços cruzados em frente ao peito fazendo movimentos contínuos para se esquentar, pensei em gritar para chamar sua atenção mas não pretendia interagir com humanos não importava a situação.

   Sua cabeça continuava baixa e seu rosto sem expressão alguma, a garota finalmente se mexeu dando passos curtos e lentos pela estrada, até que meus ouvidos escutaram um barulho familiar, quando virei meu olhar uma luz forte fez meus olhos arderem em dor, eram faróis de uma das invenções banais dos seres humanos, um carro que vinha em alta velocidade.

Percebi que a garota ainda estava na estrada, sem mover um músculo sequer como se estivesse em choque, eu não me movi, não a avisei e nem pretendia.

             “Eu sou um demônio,
                    não um anjo”

Essa frase se repetiu constantemente em minha cabeça, eu era apenas um intruso naquele mundo, portanto não cabia a mim dizer quem morreria ou não.

A morte em nome de AlastorOnde histórias criam vida. Descubra agora