Só pode ser brincadeira

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Letícia sentou-se no sofá ao lado da mãe e a encarou nervosamente.

— Diga logo o que você tem pra me dizer, mãe. Estou ficando preocupada — comentou a garota.

— Então, filha, o que eu tenho pra te falar seria bem ruim... se eu não tivesse dado meu jeitinho e consertado a situação.

— Por favor, fala logo, você vai me matar de ansiedade!

— Você não vai mais poder morar com a sua tia Lurdes.

— Como assim? — indagou Letícia, chocada.

Ela havia sido aprovada na Universidade de Brasília e já estava se preparando para ir morar com a tia na capital. Por mais que ficasse apreensiva em deixar a mãe e suas duas irmãs menores, a ideia de morar longe de São Paulo a deixava muito animada. Mas, agora, diante dessa nova notícia, ela não fazia ideia do que fazer.

— Ontem, sua tia me ligou contando que não pode mais te receber na casa dela. Porque, bem, ela não tem mais casa.

— O quê? O que aconteceu? — A filha ficou confusa e preocupada ao mesmo tempo.

— O aluguel dela aumentou, ela não pagou e foi despejada. Agora está morando com uma amiga, junto com mais cinco pessoas, em uma casa minúscula.

— Isso quer dizer que eu não tenho mais onde ficar. — Letícia se sentiu mal pela tia, mas, no momento, o que realmente a angustiava era a possibilidade de não poder mais se mudar para Brasília.

— É aí que entra a parte boa. Então, eu pensei em um plano B e comecei a ligar para várias repúblicas para procurar alguém que pudesse dividir um apartamento com você. Porém, os custos estavam completamente fora das nossas possibilidades.

— Ainda não vi a parte boa, mãe.

— Calma, estou chegando lá. Enfim, eu já estava bem desanimada quando encontrei a Verônica.

Letícia conhecia Verônica desde sempre, porque ela era a melhor amiga de sua mãe.

— Eu comentei com ela sobre o que tinha acontecido, falei que você estava sem lugar para ficar em Brasília. Aí ela me contou, toda animada, que o Daniel também vai morar lá. Ele passou em Administração na UnB, sabia?

— Eu sabia que ele tinha passado em Administração, mas pensei que fosse em alguma faculdade aqui de São Paulo — sussurrou Letícia, sem querer acreditar no que estava acontecendo.

A garota também conhecia Daniel desde sempre. E, desde sempre, nunca tinha se dado bem com ele. Graças à amizade entre sua mãe e Verônica, que era mãe do rapaz, Letícia era obrigada semanalmente a visitar a casa dele, desde pequena. Ambas as mães até se esforçavam para manter a harmonia entre as duas famílias, mas o resultado era sempre o mesmo: a junção de Letícia e Daniel, em geral, resultava em encrenca. Os dois nunca conseguiam se entender.

Letícia acreditava piamente que estava sendo afrontada por algum tipo de perseguição ou, ao menos, um azar gigantesco. Além de ser obrigada pela mãe a visitá-lo com constância, ela acabara de ter a tremenda sorte de estudar na mesma escola que Daniel durante grande parte do ensino fundamental. E, depois que ele fez o favor de repetir de ano, os dois começaram a estudar na mesma turma.

Na mesma turma!

Com tantas turmas, com tantas escolas pelo mundo, eles tinham que estudar justamente na mesma classe. E agora, quando ela achava que finalmente se livraria dele, tinha acabado de descobrir que ele tinha sido aprovado na mesma universidade que ela.

Só podia ser perseguição.

— Eu também fiquei surpresa, mas acredite, Daniel vai estudar na mesma universidade que você. E lá vem a melhor parte: eu combinei tudo com a Verônica: você e Daniel vão dividir um apartamento. Seu problema foi resolvido, filha.

Só pode ser brincadeira, pensou Letícia. Isso não está acontecendo, repetiu para si mesma.

— Isso é algum tipo de pegadinha? Porque, se for, não estou achando graça.

— Não é pegadinha nenhuma. A família do Daniel tem um apartamento em Brasília. Ele iria morar sozinho, mas a Verônica insistiu que você fosse morar com ele.

— Isso ia ser, tipo... morar de favor? Com aquele menino? — Letícia estava horrorizada.

— Não, filha, não é exatamente morar de favor. Ficou combinado de vocês dividirem as contas, as despesas gerais. Eu fiz os cálculos e ficou supervantajoso pra gente. Como o apartamento é da família dele, não precisamos nos preocupar com aluguel.

— Mãe, eu não acho que você esteja raciocinando muito bem — alertou Letícia, tentando acusar a mãe de ter enlouquecido da forma mais educada possível. — Deixa eu ver se eu entendi: você quer que eu divida o apartamento com um cara? O que meu pai teria achado disso, hein?

— Infelizmente, seu pai não está mais aqui, filha. Eu tomo as decisões agora. E o que eu decidi é que eu tenho certeza de que você é responsável e madura o suficiente para dividir um apartamento com ele. Vocês vão dormir em quartos separados, cada um vai ter seu espaço. Não vejo problema nenhum nisso. Você dois se conhecem desde que nasceram.

Isso era verdade, Letícia o conhecia desde a infância. Contudo, os dois se evitavam tanto (principalmente depois que entraram no ensino médio), que Letícia tinha a impressão de que ele era um completo estranho. E um estranho muito chato, por sinal.

— Mãe, eu não aguento o Daniel. E o Daniel também não gosta de mim. Coloque nós dois sob o mesmo teto e você vai ter uma terceira guerra mundial.

Lúcia riu. Sempre quis que sua filha e o filho de sua melhor amiga se entendessem. Talvez aquela nova situação fizesse com que eles finalmente conseguissem.


Sob o Mesmo TetoOnde histórias criam vida. Descubra agora