Introdução

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No auge de seus 18 anos, Michéle Magnan tinha um futuro promissor. Ela atuava como a principal bloqueadora no time de vôlei feminino do Instituto Voltaire, colecionando pontos e mais pontos de bloqueio. O time de vôlei a venerava e as escolas rivais engoliam em seco antes de enfrentá-la nas partidas. O rostinho angelical composto por olhos verdes, bochechas gordinhas e lábios rosados não brincava em serviço.

No entanto, ela estava ferrada. Completamente ferrada. Para continuar no time e conseguir uma bolsa para a faculdade, suas notas teriam que melhorar. Ela estava sentada em frente ao diretor Senhor Deladonchamps. Para ela era apenas o tio Pierre, que almoçava em sua casa aos domingos. Mas naquele momento, se sentiu apenas uma estudante comum levando uma bronca por suas péssimas notas.

– Você precisa mudar isso ou não vai conseguir uma bolsa, como seu irmão conseguiu no ano passado.

Ela bufou em resposta. Estava muito frustrada. Ela tentava e tentava, mas nunca conseguia tirar notas muito boas.

– Eu não sei o que fazer, tio - Seus ombros caídos denunciavam que estava cabisbaixa com a situação.

– Eu vou resolver isso - Seu tio era sempre firme e tentava ser justo, apesar de não ser nada imparcial na maioria das vezes. Ele sabia utilizar seus privilégios quando necessário – Está dispensada. Pode ir direto para o treino.

O ginásio era quente. Quase insuportavelmente quente para jogar. As garotas suavam demais a ponto de pingar e os ventiladores grandes dispostos pelo local não ajudavam muito.

O treinador Durand era crítico e bastante eficaz no que fazia. Prestava atenção nos jogos e fazia suas anotações ao longo das partidas. Michéle tinha 1.75 de altura. Bem baixa para uma jogadora de vôlei e, por isso, se esforçava ainda mais dando saltos incrivelmente altos para conseguir realizar os bloqueios com maestria.

No fim do treino, todas as garotas estavam largadas pelo chão e implorando uma chuveirada.

– O que deu com o diretor? - Annick perguntou, pois era a única que sabia de seu problema com as notas.

– Ah, ele disse que vai resolver isso, mas não disse como - Deu de ombros sem se importar muito, seguindo para o seu tão merecido banho antes de ir para casa.

– Senhor Descamps, pode se sentar.

Joseph Descamps estava na biblioteca fazendo um breve resumo sobre sua aula de história quando a assistente do diretor foi até ele. Instantaneamente ficou ansioso. Tinha feito alguma coisa errada? Afinal, nunca havia sido chamado na diretoria antes.

Com o coração acelerado e levemente em pânico, seguiu a assistente até a sala do Senhor Deladonchamps.

– Eu gostaria que desse aulas de reforço para minha sobrinha, Michéle Magnan - Foi direto ao ponto, como sempre costumava fazer.

– Como é? Desculpe, mas não tenho tempo pra isso, senhor. Estou estudando muito para o vestibular e não posso me dispersar.

– É justamente sobre isso que eu gostaria de falar.

– Como assim? - Estava tão confuso. Michéle Magnan era um tipo de estrela naquele colégio e nunca havia trocado uma palavra sequer com ele.

– Se você ministrar as aulas para ajudar as notas dela a crescerem, eu redijo com um prazer inestimável uma carta de recomendação para a faculdade que desejar.

Ora, Ora… aquilo sim o interessava.

O Instituto Voltaire era um colégio muito conhecido e estimado. O Diretor Deladonchamps com certeza possuía muitos contatos com faculdades de prestígio.

O garoto havia se preparado durante anos e agora havia acabado de receber uma ótima oportunidade. Não seria louco para negar. Afinal, não teria nada a perder, certo?

– Certo… Eu aceito.

As garotas no vestiário o olhavam de maneira estranha. Ele ainda não sabia se era por ele estar no vestiário feminino ou pelo tapa-olho que usava e que chamava bastante atenção das pessoas.

– A Michéle está aqui? - Perguntou ignorando os olhares indignados das garotas.
Uma delas apontou para os fundos. Seguiu por aquela direção até ver os cabelos loiros e enrolados, o corpo embalado numa toalha branca e felpuda e é claro, o grito estridente que ela soltou quando se deparou com um homem aleatório dentro do vestiário exclusivo para mulheres.

– Ah.. assim vai ser difícil - Ele disse impaciente, pressionando as orelhas pelo barulho incômodo. A garota o encarava em transe segurando firmemente a toalha no corpo.

– Eu vou te ajudar nas matérias. Amanhã, depois da aula na biblioteca - Deu as costas para ela, saindo rapidamente do local.

Porra.

Então aquela era a ideia incrível de seu tio? Conhecia Descamps de algumas aulas que faziam juntos, mas nunca haviam se falado. Pelo visto, o garoto era simplesmente doido. Entrou no banheiro feminino sem mais nem menos a ponto de ver alguma das meninas sem roupa. E ainda por cima não fez questão alguma de disfarçar. Ótimo. Agora todas sabiam de suas notas baixas e a necessidade de um tutor.

Tem como ser mais constrangedor que um homem que você não conhece te vendo de toalha e dizendo em alto e bom som que você precisa de ajuda na escola? Provavelmente sim, mas neste momento NÃO.

Descamps não era popular por ter muitos amigos, mas sim por ser um prodígio e um “aluno exemplo” como diziam os professores. Ele era irritantemente bom em tudo. Não apenas nas matérias, mas também fazia parte da pequena orquestra formada pela escola e tocava piano. No entanto, ele costumava andar sempre sozinho. De certa forma, as pessoas o achavam esnobe e nariz em pé. Ele vinha de boa família e não se misturava com ninguém. Passava os intervalos na biblioteca e nunca comia o almoço servido na escola. Aliás, ele nunca havia pisado naquele refeitório. Realmente um esnobe.

Como funcionariam essas malditas aulas? Ela não era muito boa em se concentrar e ele com certeza não teria paciência para lidar com suas dispersões.

A única coisa que a deixava genuinamente aliviada era a certeza de que seu tio não falaria nada disso para seus pais. Inventaria mais treinos de vôlei extras para seus atrasos e eles nunca descobririam.

“Que garoto maluco” escutou algumas colegas conversando sobre o invasor de instantes atrás. “Acho que tentou nos ver peladas e usou a Michéle de desculpa!”

Tutor; mixteOnde histórias criam vida. Descubra agora