· Nothing

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Satoru Gojo

Não há nada. Absolutamente nada.

Não é apenas que Calvin não
está no quarto, mas não há qualquer vestígio de que meu irmão esteve por aqui.

Desnorteado, dou o primeiro passo para dentro do quarto. O beliche sumiu; foi substituído por uma cama de solteiro.
Metade de nossas malas não está mais ali – a metade que pertencia a ele. Prendo a respiração. Abro o guarda-roupa. Os
cabides em que antes estavam penduradas as peças de Calvin agora estão vazios. Não há nada nas gavetas ou no compartimento dos sapatos.

Meu coração para por um instante. Então volta a bater, intenso e doloroso. Então volta a parar.

O que aconteceu? Quem entrou aqui e levou as coisas do meu irmão?

Olho ao redor para o quarto; percebo que é pequeno para duas pessoas, mas confortável só para uma. O acúmulo de cansaço, estresse e angústia finalmente se
torna demais. Minha vista escurece. Caio de joelhos no centro do espaço vazio, os livros de botânica despencando abertos ao meu
lado.

O Calvin fez isso? Voltou apenas pra pegar suascoisas?

Começo a hiperventilar. Não fosse pela troca de camas, eu até poderia acreditar nisso. Abraço meus joelhos e me arrasto pelo chão até me encostar na cama.
Quem tá fazendo essascoisas? Por que isso tá acontecendo?

Não sei o que fazer. Não sei no que pensar.

Encaro o guarda-roupa escancarado, esfrego os olhos, e o vazio continua ali.
É como se Calvin nunca tivesse existido.

Abaixo o olhar até o chão. Há um papel dobrado e amarelado, sujo e velho, jogado próximo ao pé da cama. Não estava ali antes – parece ter caído de dentro de um dos livros. Reteso a mandíbula e sinto meu corpo gelar. Apanho o papel
e o desdobro lentamente. Tenho a sensação nauseante de que vou me arrepender disso, mas o faço mesmo assim.

E me arrependo logo de cara ao ler o que está escrito naquela página, em letras cursivas e tinta vermelho-escura.

“Pobre Satoru Gojo: perde o irmãozinho de vista por um instante, e ele some como uma carcaça num açougue. O que você acha que o Papai Gojo achará disso? Já ligou pra contar a novidade? Ou ainda tem esperanças de encontrar o pequeno Calvin com vida? O tempo está passando, Satoru, tique-taque, e ele acelera a cada segundo que você fica aí sem fazer nada. Se quer respostas, terá que buscar fora dos muros da Masters.

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“Naquele breve momento, eu me perguntei se ‘bem’ ainda poderia ser possível, ou ao menos alcançável. Porém, é assim que as tragédias como a nossa e Rei Lear partem corações – ao fazer todos acreditarem
que os finais ainda podem ser felizes, até o último minuto.”

M. L. Rio (Como se fôssemos vilões)

-» Entre neblina e desejo / SatosuguOnde histórias criam vida. Descubra agora