BUNNY BOBBY

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Eu era uma criança inteligente. Pelo menos, era o que os adultos sempre diziam para mim. “Ela é tão esperta”, “Tem uma inteligência além da idade”, essas coisas. E acho que acabei acreditando nisso mais do que deveria. Sabe como é, quando a gente ouve algo repetidamente, começa a aceitar como verdade absoluta. E crianças inteligentes sabem das coisas. Elas sabem, por exemplo, que o Papai Noel não existe, que o Coelho da Páscoa é só uma invenção, e que amigos imaginários são apenas brincadeiras da nossa própria mente. Mas, apesar de saber de tudo isso, há um fragmento da minha infância que até hoje me perturba. Algo que não se encaixa nas coisas que eu achava que sabia.

Eu conheci uma… coisa. O nome era Bunny Bobby. Foi assim que ele se apresentou, aliás. Bunny Bobby. Estava até escrito em letras cursivas, como se fossem desenhadas com giz de cera, bem na camisa que ele usava. Bunny Bobby tinha orelhas de coelho, compridas e flácidas, que quase tocavam seus ombros. Seus olhos eram vermelhos, daquele vermelho vivo, quase brilhante. E seus dentes… eram lisos, parecendo pequenas placas de porcelana, uma linha branca que contrastava com a escuridão de sua boca. Eu deveria ter achado tudo isso assustador, mas a voz de Bunny Bobby era fofa, suave, quase reconfortante. Não era o tipo de coisa que dava medo logo de cara.

O problema foi que Bunny Bobby quis ser meu amigo. E eu não sei se alguém já te disse, mas crianças inteligentes não costumam ter muitos amigos. A gente se torna diferente, distante. Os outros nos acham esquisitos. Mas Bunny Bobby não se importava com isso. Ele estava sempre por perto, especialmente quando eu estava sozinha, quando ninguém mais queria brincar comigo. Eu fingia que não via, que não ouvia, porque, no fundo, eu sabia que ele não deveria estar ali. Eu sabia que ele não era real.

Mas Bunny Bobby era persistente. Ele aparecia do nada, sempre com aquele sorriso largo, aqueles olhos vermelhos que brilhavam no escuro. Ele sussurrava coisas que eu não queria ouvir, coisas sobre meus pais, sobre meus colegas de escola, sobre o que acontecia quando as luzes se apagavam. “Você não precisa deles”, ele dizia. “Eu sou seu único amigo de verdade.”

Aos poucos, fui me convencendo de que ele estava certo. Afinal, que mal poderia haver em ter um amigo, mesmo que fosse só na minha cabeça? Mas algo estava errado. À medida que o tempo passava, Bunny Bobby foi mudando. Seu sorriso se alargou demais, os olhos ficaram mais intensos, os dentes mais afiados. A voz, antes doce, tornou-se mais profunda, áspera, quase uma ameaça. E foi então que eu percebi que ele não queria ser apenas meu amigo. Ele queria mais.

Lembro-me da última vez que vi Bunny Bobby. Eu estava deitada na cama, olhando para o teto, tentando ignorar a sensação de que ele estava lá, no canto do quarto, esperando. De repente, ele se aproximou, mais perto do que nunca, e sussurrou: “Eu quero ser mais do que seu amigo. Quero ser você.”

Foi a última coisa que ouvi antes de apagar. Quando acordei, estava sozinha. Mas algo havia mudado. Não consegui me lembrar do que aconteceu depois, como se parte de mim tivesse sido arrancada. Mas eu sabia… Bunny Bobby ainda estava lá, em algum lugar, à espreita, esperando a hora certa para voltar.

Hoje, olhando para trás, eu me pergunto se tudo aquilo foi real ou apenas uma ilusão da minha mente infantil. Mas uma coisa é certa: crianças inteligentes sabem das coisas. Elas sabem que o Papai Noel não existe, que o Coelho da Páscoa é uma invenção, e que amigos imaginários não são reais. Elas sabem. Mas também sabem que, às vezes, o que não deveria existir pode se tornar muito, muito real.

Eu cresci, é claro. Crianças inteligentes sempre crescem mais rápido, ou pelo menos, é o que parece. Aos poucos, fui deixando para trás os contos de fadas, as fantasias infantis e, com elas, Bunny Bobby. Ou pelo menos, foi o que pensei. Depois daquela última vez, ele simplesmente desapareceu. Não havia mais sussurros à noite, nem olhos vermelhos brilhando na escuridão. Foi como acordar de um sonho ruim e perceber que o monstro não estava debaixo da cama, afinal. Eu deveria ter ficado aliviada, mas o silêncio que se seguiu me perturbava de uma forma que eu não sabia explicar.

Anos se passaram, e Bunny Bobby virou uma memória vaga, um fragmento perdido da infância que eu mal conseguia recordar. Até que, certa noite, tudo mudou. Eu tinha acabado de me mudar para um apartamento pequeno, a primeira vez que morava sozinha. Era um espaço simples, perfeito para alguém que não queria nada além de paz e sossego. Mas aquela primeira noite… foi quando as coisas começaram a se desintegrar.

Estava chovendo lá fora, uma daquelas tempestades que parecem varrer tudo em seu caminho. Eu estava sentada no sofá, lendo um livro, tentando ignorar o som da água batendo nas janelas, quando ouvi. Um som baixo, arrastado, quase imperceptível, vindo do corredor. Como se algo estivesse se movendo lentamente, raspando contra o chão. Um calafrio percorreu minha espinha. Coloquei o livro de lado, tentando ouvir melhor, mas o som havia parado. O apartamento estava novamente silencioso, exceto pelo barulho da chuva.

Ignorei, convencida de que era apenas minha imaginação. Voltei ao livro, mas não conseguia mais me concentrar. Aquele som… havia algo de perturbador nele. Algo que me parecia familiar, mas que eu não conseguia identificar. Levantei-me para verificar o corredor, mas estava vazio. E, no entanto, o ar estava pesado, denso, como se alguém tivesse acabado de sair dali.

Foi então que vi. Na parede do corredor, quase imperceptível, havia uma pequena marca, como se algo tivesse sido arrastado contra a pintura. Segui o rastro com os dedos, e meu coração quase parou quando percebi que o rastro terminava na porta do meu quarto. Lá dentro, o ar estava gelado, e o silêncio era quase absoluto. Havia apenas um som… um leve tique-taque, como o de um relógio antigo, vindo de dentro do armário.

Meu instinto dizia para não abrir, para sair correndo e nunca mais olhar para trás. Mas a curiosidade, aquela maldita curiosidade, me venceu. Com as mãos trêmulas, puxei a porta do armário. E lá estava ele. Bunny Bobby. Suas orelhas de coelho, longas e flácidas, quase tocando o chão. Seus olhos vermelhos, brilhantes, me encarando fixamente. E o sorriso… aquele sorriso largo demais, mostrando dentes que agora eram longos e pontiagudos, como presas afiadas.

Ele não se mexeu, mas eu podia sentir a presença dele se espalhando pelo quarto, preenchendo cada canto com uma escuridão sufocante. E então, ele falou. A voz não era mais fofa e reconfortante. Era uma voz grave, distorcida, cheia de malícia. “Eu esperei por você”, ele sussurrou. “Esperei por todos esses anos. E agora… você não pode fugir.”

Eu queria gritar, mas minha voz não saía. Queria correr, mas minhas pernas estavam paralisadas. E Bunny Bobby continuava ali, imóvel, me encarando com aqueles olhos vermelhos. “Crianças inteligentes crescem, mas nunca se livram de seus medos”, ele disse, sua voz ecoando pela sala. “E você, minha querida, sempre soube que eu voltaria. Eu sou seu amigo… para sempre.”

Foi então que percebi que o tique-taque não vinha de um relógio. Era o som das garras dele, batendo suavemente uma na outra, como se estivesse contando os segundos até que eu finalmente cedesse ao medo. E antes que eu pudesse reagir, Bunny Bobby se moveu. Lento, deliberado, saindo do armário e avançando em minha direção. Eu tentei recuar, mas minhas costas bateram contra a parede. Não havia para onde ir. E ele sabia disso.

O sorriso dele se alargou ainda mais, os dentes brancos reluzindo à luz fraca do quarto. “Você não devia ter me esquecido,” ele disse, agora tão perto que eu podia sentir o cheiro de mofo e terra fria que emanava dele. “Crianças inteligentes não esquecem… mas você tentou. E agora, vamos brincar como nos velhos tempos.”

E naquele instante, eu soube que não havia mais escapatória. Bunny Bobby havia me encontrado, e ele não iria embora desta vez. Ele queria brincar. E não importava o quanto eu gritasse, o quanto eu resistisse, ele estava determinado a ser meu amigo… até o fim.

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Imagem meramente ilustrativa:

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