· Hortulana

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Satoru Gojo

— Eu sinto muito, Toru. De verdade.

Mesmo dias depois do ocorrido, Haibara insistia em se desculpar.

— Já disse, Haibara, não precisa disso — digo enquanto levo uma colher de iogurte à boca, mordendo os pequenos pedaços de
frutas cítricas em meio ao líquido doce e viscoso.

Minha bandeja está limpa. O frango com batatas foi embora em poucos minutos, assim como a salada. Talvez a descoberta do subsolo do castelo tenha acordado meu corpo para o fato de que preciso de energia para realizar a investigação.

Acabo de narrar o encontro bizarro com o zelador e a quase colisão com Naobito, o que despertou o remorso de Haibara outra
vez. Ele encara meu ombro fixamente, e sei que está imaginando o curativo sob o terno e a camisa.

— Sério, devíamos ter estado lá, com você.

— Não tinha como vocês saberem disso — respondo, terminando a sobremesa —, foi decisão minha manter os dois fora do meu plano de invadir a sala do sr. Zenin caso alguma coisa desse errado e, veja só… — Aperto os lábios e indico meu ferimento com os olhos.

Haibara também já terminou seu prato e se senta um tanto jogado na cadeira. A bandeja de Nanami continua vazia, mas não por já ter engolido tudo, e sim por não ter pegado comida outra vez. Sua fobia de comer em público é tão grande assim? Não me lembro de tê-lo visto comer nem sequer uma fruta em todos esses dias.

— Mas sabe que podia ter pedido a nossa ajuda depois do que aconteceu, não sabe? — insiste Haibara, a expressão penosa.

— Claro que sei — reafirmo, com um sorriso. — Mas é melhor assim; ao menos vocês dois foram poupados de toda aquela merda.

— Não faça mais isso. — Nanami se ajeita na cadeira.

— O quê?

— Sempre que tiver um plano infalível — ele aperta minha coxa —, nos diga. — E então envolve meus ombros. — Vamos te
ajudar sem pensar duas vezes.

Haibara assente em silêncio.

— Eu sei que vão. — Retribuo o abraço de Nanami.

Quando nos afastamos, meu olhar repousa
espontaneamente sobre o único outro moreno neste refeitório que é capaz de chamar minha atenção.

Suguru está sentado à mesa de sempre, rodeado de seus amigos, comendo, conversando e rindo. Está sentado de frente para mim, e nossos olhares se cruzam, como se ele sentisse minha atenção.

Não tivemos uma oportunidade de conversar em particular desde a piscina – desde o beijo –, mas sei que é apenas uma
questão de tempo.

— Então, acho que isso deixou vocês dois mais próximos, né? — A voz de Haibara quebra minha concentração, mas não retiro os olhos do garoto que me salvou daquela piscina.

— Pode-se dizer que sim.

E então continuo mirando-o, até um murro ser disparado em minha bandeja, logo à minha frente, deformando o metal e
bagunçando as louças que repousam sobre ela.

-» Entre neblina e desejo / SatosuguOnde histórias criam vida. Descubra agora