Sob pressão

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O carro estava envolto em um silêncio pesado, a única trilha sonora sendo a respiração entrecortada de ambos. Ainda sentia o toque das mãos de Beto em meu pescoço, e a intensidade daquele beijo deixava uma sensação ardente em meus lábios. Meu coração pulsava descontroladamente, mas não era só pela tensão daquele momento; era pela avalanche de emoções que eu mal conseguia processar.

Olhei para Beto ao meu lado. Ele encarava o volante, os músculos da mandíbula contraídos, visivelmente lutando para conter as próprias emoções. Eu sabia que o amor dele por mim era genuíno, mas o jeito que ele escolhia demonstrar me deixava perdida. Eu estava tão cansada, e a ideia de entrar em mais uma discussão com ele me drenava as forças. Precisava encontrar um meio de nos conectar sem que isso se transformasse numa batalha.

— Beto... — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. — Eu entendo que você está tentando cuidar de mim, mas você precisa entender que eu também tenho minhas batalhas internas. E eu preciso do meu espaço para lutar contra elas. Não quero que a gente se machuque mais. Eu te amo... — confessei, minha voz falhando no final.

Beto finalmente desviou o olhar do volante e me encarou. Seus olhos, que sempre tinham um brilho de confiança e determinação, agora estavam turvos, quase vulneráveis. Ele abriu a boca para responder, mas antes que pudesse dizer algo, o celular dele vibrou no painel. Um som irritante que parecia cortar o clima como uma faca.

Ele suspirou profundamente, pegou o celular e olhou a tela com uma expressão de surpresa. — Merda... — murmurou, sem me dar mais explicações, antes de atender.

Eu observei a troca curta de palavras que se seguiu, embora não conseguisse entender muito. O tom dele era grave, e o pouco que ouvi era suficiente para saber que algo estava errado. Terminei de observar a troca silenciosa entre nós enquanto ele concluía a chamada.

— O que aconteceu? — perguntei, tentando esconder a apreensão na minha voz.

Beto colocou o celular no bolso e balançou a cabeça, claramente frustrado. — Uma operação deu problema. Tem um cara que conhecemos envolvido, mas não quero te preocupar com isso agora. Precisamos ir para o hospital. Seu ultrassom está marcado para daqui a pouco, lembra?

Engoli em seco, sentindo a tensão no ar aumentar. Era verdade, o ultrassom estava marcado, e eu sabia que era um momento crucial, não apenas para a gravidez, mas para nós dois. Apesar de tudo, o que eu mais queria era que esse exame trouxesse algum alívio, algum sinal de que poderíamos superar isso juntos.

O caminho até o hospital foi uma mistura de silêncio e pensamentos desconexos. Por mais que tentasse me concentrar no que estava por vir, o que havia acontecido momentos antes ainda me assombrava. Eu não podia deixar de pensar no que aquilo significava para o nosso relacionamento e no que seria preciso para voltarmos a ser quem éramos antes de tudo se complicar.

Quando chegamos, Beto, visivelmente inquieto, estacionou o carro e segurou minha mão com firmeza antes de sairmos. — Vamos passar por isso juntos, Júlia. Não importa o que aconteça, estamos juntos. — Suas palavras, embora reconfortantes, traziam uma nota de preocupação que eu não conseguia ignorar.

Entramos no hospital, e logo fui chamada para a sala de exames. Beto me acompanhou, seu semblante alternando entre preocupação e expectativa. A sala era fria, com luzes brancas que pareciam acentuar ainda mais a sensação de vulnerabilidade. Me deitei na maca, sentindo o gel frio ser aplicado na minha barriga enquanto o médico começava o exame.

O silêncio na sala era quase insuportável. Eu mal respirava, esperando por alguma palavra que aliviasse a tensão crescente. Beto apertava minha mão, seus olhos fixos na tela onde começavam a surgir as primeiras imagens.

Então, o som. Aquele som rápido e irregular que soava como uma pequena corrida de tambores. O coração do nosso bebê. Um som que eu sabia que nunca esqueceria. Beto, que até então se mantinha rígido, finalmente relaxou, uma lágrima solitária escapando de seus olhos e correndo pela sua bochecha. O que vi nele não era só a emoção de ouvir aquele som pela primeira vez, mas também um pedido silencioso de desculpas por todos os erros que cometera.

— Está tudo bem — disse o médico com um leve sorriso, interrompendo nossos pensamentos. — O bebê está saudável.

Minha respiração, que eu nem percebera estar prendendo, finalmente saiu em um longo suspiro de alívio. Eu olhei para Beto, que ainda estava absorvendo o momento. Ele se inclinou, me beijando na testa com uma suavidade que não condizia com o Beto de minutos antes, no Morro dos Macacos.

— Júlia, nós vamos conseguir — ele sussurrou, e naquele instante, eu queria acreditar nisso mais do que tudo.

Mas, ao sair do hospital, algo inesperado me pegou desprevenida. Assim que entramos no carro, meu celular vibrou. Uma mensagem de um número desconhecido. Eu hesitei antes de abrir, com um pressentimento ruim se formando no estômago.

Quando finalmente abri a mensagem, meu coração parou.

Era uma foto minha. Uma foto tirada hoje, quando saí da ONG. A legenda abaixo era curta, mas carregava uma ameaça velada:

"Cuidado com quem você confia."

Olhei para Beto, que estava prestes a dar partida no carro, sem saber como contar a ele. A paz momentânea que havíamos sentido no hospital desmoronou num piscar de olhos.

Laços Invisíveis | capitão nascimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora