Capítulo 7: Insônia Mortal

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O relógio na parede piscava impiedosamente: 03h27. O som do tic-tac ecoava pelo apartamento silencioso, misturado ao zumbido baixo da geladeira. A cada segundo que passava, meus olhos ardiam mais. O travesseiro, encharcado de suor, não oferecia conforto algum, e o colchão parecia um campo de batalha, onde meu corpo se revirava sem descanso. A insônia havia se tornado minha companheira mais íntima, uma sombra que nunca me deixava.

Eu já estava na quarta noite sem dormir direito, e minha cabeça latejava, como se estivesse prestes a explodir. Era o tipo de cansaço que não se resolvia com mais um copo de café. Na verdade, o café só alimentava a espiral de pensamentos que se aglomeravam na minha mente. Pensamentos que eu tentava ignorar, mas que insistiam em se repetir, cada vez mais altos, mais intensos.

Puxei o cobertor para cima, cobrindo a cabeça, como se o tecido pudesse bloquear os murmúrios que vinham do fundo da minha mente. Mas, mesmo no escuro, os fantasmas estavam lá: Anna, Clara, Turner, o assassino, e, principalmente, eu. Todos estavam interligados, de alguma forma, e eu não sabia se tinha forças para desvendar esse enigma sem cair ainda mais fundo no abismo.

Minhas pálpebras pesavam, mas o sono não vinha. Ao contrário, o quarto parecia se transformar. As sombras nas paredes ganhavam formas distorcidas, como se figuras sem rosto me observassem de cantos invisíveis. Cada ruído, por menor que fosse, parecia o som de passos pesados no corredor. Será que eu estava finalmente enlouquecendo?

Sentei-me na cama, ofegante, o coração batendo rápido demais para alguém que não havia feito nenhum esforço físico. Olhei para a porta do quarto, meio esperando que algo... ou alguém... estivesse ali, esperando para entrar.

"Eu preciso sair daqui," pensei, levantando-me abruptamente. Minhas mãos tremiam, e o suor escorria pelas têmporas. O apartamento estava sufocante. Peguei a chave do carro e saí, ainda de pijama, sentindo o ar frio da madrugada bater contra meu rosto enquanto atravessava o corredor até o elevador.

Minutos depois, eu estava dirigindo pelas ruas desertas da cidade, sem destino. O volante parecia escorregadio nas minhas mãos suadas, e as luzes dos postes passavam como vultos rápidos pela janela. A cidade dormia, mas eu... eu estava desperto. E mais acordado do que jamais estive.

Meu celular vibrou no banco do passageiro, e um súbito pânico me atingiu. Quem poderia estar me ligando àquela hora? Peguei o telefone com uma das mãos, sem tirar os olhos da estrada, e vi o nome de Turner na tela. O que ele queria a essa altura?

— Turner? — Atendi, a voz rouca, quase irreconhecível.

— Jack? — A voz do detetive estava grave, mais do que o normal. — Preciso que você venha agora. Mais um corpo foi encontrado.

Meu coração deu um salto.

— Onde?

— Um prédio abandonado perto da margem do rio. Eu te envio a localização. Isso não pode esperar.

Desliguei sem dizer mais nada, jogando o celular no banco. Algo se agitou dentro de mim. A insônia havia me deixado à beira do colapso, mas essa adrenalina... essa sensação de estar no rastro do assassino... me trouxe uma energia doentia. Talvez eu estivesse gostando demais desse jogo perigoso, afinal.

Quando cheguei ao local, a cena era assustadora. As luzes vermelhas e azuis das viaturas pintavam o ambiente com cores pulsantes, mas o prédio em si parecia uma boca escura e faminta. O abandono ali não era recente; paredes descascadas e janelas quebradas contavam histórias de anos de decadência. E, em algum lugar naquele espaço sombrio, estava o corpo da próxima vítima.

Turner me encontrou logo na entrada, seus olhos cansados espelhando os meus.

— Mais uma, Jack. Dessa vez... — Ele fez uma pausa, respirando fundo. — Dessa vez é diferente.

Eu o segui sem fazer perguntas, minhas pernas pesadas, como se a fadiga estivesse finalmente me alcançando. O cheiro do prédio era horrível: uma mistura de mofo, sujeira e algo metálico, como ferrugem ou sangue velho. Subimos dois lances de escada, até chegar ao terceiro andar, onde os policiais mantinham o perímetro fechado. Clara já estava lá, de costas para nós, os ombros tensos enquanto analisava a cena.

— O que temos? — perguntei, minha voz saindo mais fraca do que eu pretendia.

Clara se virou lentamente, seu rosto pálido e sério. Ela apenas apontou para o centro do cômodo. Ali, em meio ao chão empoeirado, estava o corpo de uma mulher. Ao contrário das outras cenas, não havia a meticulosidade, o cuidado ritualístico que vimos antes. O corpo estava mutilado, os braços estendidos em ângulos impossíveis, como se tivessem sido quebrados à força. A garganta da mulher... ou o que restava dela... estava dilacerada, e o sangue havia se espalhado pelo chão como uma obra grotesca.

— Meu Deus... — sussurrei, incapaz de desviar os olhos.

— Isso não é tudo — disse Clara, caminhando até o corpo e se abaixando. — Veja isso.

Ela levantou parte da blusa rasgada da mulher, revelando uma marca na pele pálida. Uma queimadura. O mesmo símbolo que vimos nas vítimas anteriores.

— Ele está ficando mais agressivo — Clara falou, sem tirar os olhos da marca. — E mais imprudente. Não houve drogas dessa vez. Não houve controle. Ele fez isso na pura raiva.

— Ele está nos mandando uma mensagem — Turner completou, os punhos cerrados. — E eu acho que ele está escalando. O próximo será ainda pior.

Minha mente girava. O cansaço nublava meus pensamentos, mas algo no ar parecia familiar, um cheiro, talvez, ou apenas a maneira como o corpo estava disposto, mesmo sem o ritual de antes. Esse assassinato era pessoal, mas não para a vítima. Era para nós. Para mim.

— Ela foi encontrada com algo nas mãos — disse Clara, estendendo um pedaço de papel coberto de sangue seco. — Parece que ele quer que você leia isso.

Peguei o bilhete, a mão trêmula. As letras estavam manchadas, quase ilegíveis, mas consegui decifrar o suficiente para sentir um arrepio correr pela minha espinha. As palavras eram simples, diretas, mas carregavam um peso que me esmagava.

"Você não pode escapar de si mesmo, Jack."

Soltei o papel, recuando como se ele tivesse me queimado. Turner e Clara me olharam, preocupados, mas não consegui dizer nada. As palavras continuavam ecoando na minha mente, como um martelo batendo incessantemente.

"Você não pode escapar de si mesmo."

Os fantasmas do meu passado estavam voltando com uma força que eu nunca imaginaria. A insônia, as memórias, os assassinatos... tudo isso estava conectado. E, de repente, percebi que a próxima vítima poderia não ser uma estranha qualquer. Poderia ser alguém muito mais próximo de mim. Porque, no fundo, eu sabia que o assassino e eu estávamos ligados de maneiras que eu ainda não conseguia entender.

A única coisa que eu sabia, com certeza, era que o jogo estava longe de terminar. E que a insônia... a insônia mortal que me atormentava... era apenas o começo.

O relógio piscou novamente: 03h28. O tempo não parava. E agora, nem eu.

JACK CARTEROnde histórias criam vida. Descubra agora