Capítulo 8: O Passo em Falso

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A chuva batia contra o para-brisa enquanto eu dirigia de volta para casa. O som dos pingos incessantes criava uma trilha sonora sinistra para os pensamentos que me atormentavam. As palavras do bilhete ainda ecoavam na minha cabeça, girando como uma tempestade dentro de mim.

"Você não pode escapar de si mesmo, Jack."

Essas seis palavras me atingiam como uma maldição. Quem sabia sobre o meu passado? Como ele poderia saber dos demônios que eu lutava para esconder até de mim mesmo? Minha mente, já exausta pela insônia, começava a tecer teorias cada vez mais absurdas. Talvez Clara e Turner estivessem certos: eu estava lidando com alguém que conhecia meus segredos mais sombrios. Mas o pior de tudo era a dúvida que me corroía: será que ele me conhecia porque era parte de mim?

Cheguei em casa com os olhos ardendo, o corpo pesando como chumbo. O cansaço me esmagava, mas o medo de fechar os olhos era ainda maior. Entrei no apartamento, ainda tentando processar tudo que havia acontecido naquela cena de crime. A imagem do corpo mutilado da mulher continuava a me assombrar, mas, mais do que isso, o bilhete me deixava apavorado. Se o assassino sabia sobre meu passado, então ele sabia que eu estava vulnerável, à beira do colapso.

Tirei o casaco encharcado e joguei-o no sofá, indo direto para a cozinha. Meus nervos estavam à flor da pele, e eu precisava de algo para me manter desperto. O café parecia a única solução, mas, no fundo, eu sabia que isso só pioraria meu estado. Enquanto a cafeteira trabalhava lentamente, minha cabeça latejava com memórias antigas, fragmentadas e distorcidas pelo tempo.

Anna.

Só de pensar no nome dela, uma pontada de dor atravessava meu peito. O que havia acontecido entre nós... isso nunca deveria ter acontecido. As brigas, as discussões que pareciam não ter fim, a forma como nosso casamento desmoronou. Eu ainda não entendia completamente como as coisas chegaram ao ponto que chegaram, mas, de uma coisa eu tinha certeza: se alguém soubesse sobre Anna, sobre o que realmente aconteceu, meu mundo desabaria de uma vez.

A cafeteira apitou, e eu me forcei a sair daquele turbilhão de pensamentos. Enchi a xícara com o líquido amargo e me sentei na mesa da cozinha, tentando pensar em um plano. Turner e Clara estavam se aprofundando nas investigações, mas eu precisava de uma vantagem. Não podia esperar até que o próximo corpo fosse encontrado.

Meu celular vibrava constantemente desde que eu havia saído da cena do crime, mas não tive coragem de verificar. Turner e Clara, provavelmente, queriam discutir os próximos passos, mas eu sentia que precisava de espaço para respirar, mesmo que só por alguns minutos. No entanto, algo dentro de mim dizia que ignorar as mensagens era um erro. Havia uma sensação de urgência no ar, algo que me dizia que, se eu não agisse rápido, poderia perder uma pista crucial.

Peguei o celular com as mãos trêmulas e desbloqueei a tela. Havia várias mensagens, mas uma delas chamou minha atenção. Não era de Turner ou Clara. Era de um número desconhecido. Eu hesitei antes de abrir, um frio subindo pela minha espinha.

"Você cometeu um erro, Jack. Está na hora de enfrentar a verdade."

Meu coração disparou. O bilhete... agora uma mensagem. O assassino estava me cercando, brincando comigo. Mas o que ele queria? E, pior, o que ele sabia sobre mim? Minha respiração estava descontrolada, a mão suada apertando o celular com força.

Abri o armário, tirando de lá uma garrafa de uísque quase vazia. Não era uma boa ideia misturar álcool com o nível de estresse que eu estava sentindo, mas eu precisava de algo para entorpecer os pensamentos que corriam na minha mente como um rodamoinho. Tomei um gole generoso, sentindo o calor do líquido descendo pela garganta, enquanto o medo continuava a crescer.

— Não posso continuar assim — sussurrei para mim mesmo, com o olhar perdido na escuridão além da janela. As luzes da cidade, borradas pela chuva, tremeluziam à distância. — Preciso... descobrir quem está fazendo isso.

O telefone vibrou de novo, interrompendo meus pensamentos. A mesma mensagem, agora repetida mais uma vez.

"Você cometeu um erro, Jack. Está na hora de enfrentar a verdade."

Havia algo terrivelmente errado nisso. O assassino não estava apenas me atormentando. Ele estava me guiando, me conduzindo para um caminho que eu ainda não conseguia enxergar. Algo me dizia que eu tinha deixado uma pista passar despercebida. Ou, pior ainda, eu havia dado um passo em falso.

Na manhã seguinte, após mais uma noite sem dormir, me vi novamente ao lado de Turner e Clara, desta vez no escritório da delegacia. Turner parecia exausto, mas seus olhos estavam firmes, determinados. Clara, por outro lado, estava imersa em um relatório policial, tentando decifrar algo nas evidências da última vítima.

— Precisamos de um novo ângulo, Jack — disse Turner, esfregando os olhos com as palmas das mãos. — Esse cara está um passo à nossa frente. Ele sabe o que estamos fazendo antes mesmo de agirmos.

— Não é só isso, Turner — Clara interrompeu, sem desviar o olhar dos papéis à sua frente. — Ele está se comunicando diretamente com Jack. Isso é pessoal. Ele não está só tentando nos matar. Ele quer alguma coisa de Jack.

— E o que ele quer? — perguntei, a voz saindo mais áspera do que o normal.

Clara me olhou de uma maneira que me fez sentir como se estivesse sendo dissecado por seus olhos. Ela não respondeu imediatamente. Em vez disso, virou o relatório na minha direção, apontando para uma parte específica.

— Aqui. Isso não faz sentido. Os detalhes do ataque são diferentes desta vez. Ele não só matou a mulher... ele a mutilou de uma forma que não vimos antes. Algo o desestabilizou.

Olhei para o ponto que ela indicava. As palavras no papel pareciam embaçadas pelo meu cansaço, mas aos poucos comecei a enxergar o padrão. O assassino estava, de fato, ficando mais descuidado, mais apressado. Era como se algo ou alguém estivesse o pressionando. E eu tinha a sensação de que era eu.

— Você está certo, Clara. Ele está mudando — disse Turner, passando a mão pelo queixo, pensativo. — Mas por quê?

Antes que eu pudesse responder, o telefone de Clara tocou, cortando o silêncio pesado que pairava sobre nós. Ela atendeu rapidamente, escutando atentamente do outro lado. Sua expressão ficou tensa.

— Temos outra vítima — ela anunciou, sua voz baixa, quase sussurrada. — E dessa vez... deixaram algo para você, Jack.

O ar no escritório pareceu congelar por um momento. Outro corpo. Outra mensagem. Meu coração disparou novamente, e o suor frio cobriu minha testa. Estávamos sendo conduzidos, um passo após o outro, para um desfecho que eu não conseguia prever. Mas uma coisa era clara: a cada movimento que fazíamos, o assassino estava esperando.

E, no fundo, eu sabia que mais um passo em falso poderia ser o último.

Dirigindo até a cena do crime, a sensação de que eu estava à beira de uma revelação esmagadora era inescapável. Havia algo no ar, uma eletricidade palpável que me deixava inquieto. As luzes da polícia à distância eram como faróis de advertência, me lembrando de que estava entrando em um território perigoso.

Ao chegar, o corpo já havia sido removido, mas Clara me entregou um envelope lacrado que havia sido encontrado ao lado da vítima.

— Ele deixou isso para você, Jack — disse ela, sem rodeios.

Minhas mãos tremiam enquanto abria o envelope. Dentro, havia uma foto. E quando vi o que estava na imagem, senti o chão desaparecer sob meus pés.

Era uma foto antiga. Eu, muito mais jovem, ao lado de Anna, sorrindo. O sorriso dela era o mesmo que eu lembrava, mas havia algo errado com a imagem. Meu rosto... estava riscado, quase como se alguém tivesse tentado me apagar.

E, no verso da foto, apenas uma frase escrita à mão:

"Você nunca vai escapar do que fez."

A imagem queimava em minhas mãos. A verdade que eu havia evitado por tanto tempo estava começando a emergir, sombria e implacável. Eu havia cometido um erro, sim. Um passo em falso. E agora, o passado estava pronto para me devorar inteiro.

JACK CARTEROnde histórias criam vida. Descubra agora