O ar estava pesado na delegacia. Turner parecia um espectro à deriva, movendo-se com passos pesados, enquanto Clara falava ao telefone com alguém da perícia. Eu me sentia cercado por um labirinto invisível, onde cada nova pista era um beco sem saída. A sensação de exaustão era quase insuportável. O cansaço acumulado pela insônia começava a corroer minha percepção da realidade.
Mas havia algo mais. Algo mais sombrio.
O assassinato mais recente tinha deixado todos à beira do colapso. As cenas de crime vinham se tornando mais perturbadoras a cada novo corpo. Esse, no entanto, parecia diferente. Não só pelos métodos usados, mas por algo que me envolvia diretamente. Desde que recebi a primeira mensagem, era como se o assassino estivesse brincando comigo, puxando os fios, me controlando como uma marionete. A sensação de estar sendo observado, manipulado, me corroía por dentro.
— Você parece ainda mais acabado do que o normal, Jack — Turner comentou com uma risada sombria, enquanto passava por mim.
Olhei para ele com os olhos pesados, mas antes que eu pudesse responder, Clara se aproximou, interrompendo nossa interação.
— Temos os relatórios preliminares — disse Clara, entregando um arquivo para Turner, enquanto me observava com um olhar intrigado. — E, como esperado, eles confirmam algo que já suspeitávamos: o assassino parece estar mudando de comportamento. Os cortes no corpo da vítima foram diferentes dos anteriores. Mais apressados, menos precisos.
Turner folheou o arquivo, balançando a cabeça lentamente.
— Ele está ficando nervoso. Perdendo o controle — murmurou ele, seus olhos fixos nas fotos do corpo.
— Ou está nos mostrando algo novo — acrescentei, minha voz rouca.
Clara me encarou por um momento antes de continuar.
— E, além disso, encontramos algo que foi deixado para você, Jack — disse ela, estendendo um envelope.
Senti um frio na espinha ao ver aquele pedaço de papel. Não era só mais uma mensagem. Aquilo era uma provocação, algo feito para me desestabilizar.
Abri o envelope lentamente, com as mãos trêmulas. Dentro havia uma carta, escrita à mão, com uma caligrafia impecável, quase perturbadora.
"Você me conhece, Jack. Estou mais perto do que imagina. Deixe-me te mostrar a verdade. Assinado, A."
"A." Meu coração parou por um segundo. A letra. Aquela mesma letra que estava pintada em sangue nas cenas dos crimes anteriores. Era uma assinatura, uma marca. O assassino estava nos guiando para algo maior, algo mais pessoal.
— O que diabos significa isso? — perguntei, sem desviar os olhos do papel. — "A"? Por que agora ele decidiu assinar?
Clara e Turner se entreolharam, mas foi Clara quem falou primeiro.
— Talvez seja um jogo de controle. Ele quer que você saiba que ele está no comando... ou pelo menos quer que acredite nisso.
Turner deu de ombros.
— Isso ou ele está tentando te fazer acreditar que você tem mais a ver com isso do que realmente tem.
Engoli em seco. As palavras de Turner ressoaram de forma dolorosa. Eu sabia que ele estava certo, mas, ao mesmo tempo, não podia ignorar o fato de que algo dentro de mim se conectava com aquela carta. Como se a verdade estivesse à espreita, esperando para ser descoberta.
O caminho até a nova cena do crime foi tenso. A chuva havia parado, mas o cheiro de terra molhada e as luzes oscilantes dos carros de polícia criavam um cenário de pesadelo. O bairro era silencioso, quase macabro, como se as ruas soubessem o que havia acontecido e estivessem de luto.
Quando cheguei, Clara já estava no local, conversando com a equipe da perícia. Turner mantinha-se afastado, seus olhos fixos na entrada da casa, como se tentasse ler o que se escondia lá dentro.
Entrei na casa, o chão rangendo sob meus pés. A primeira coisa que senti foi o cheiro metálico de sangue. Era um odor sufocante, que parecia impregnar tudo ao redor. As luzes da sala tremeluziam fracamente, e, por um segundo, tive a sensação de que algo me observava das sombras.
O corpo da vítima estava estendido no chão da sala, coberto por um lençol branco. A equipe de perícia já havia removido a maioria das evidências, mas o impacto daquela cena ainda era sufocante. Ao lado do corpo, uma cadeira virada e uma mesa de café quebrada indicavam uma luta feroz. A vítima, uma mulher de meia-idade, tinha sido brutalmente atacada. Mas o mais perturbador era a marca na parede.
A letra "A", novamente, pintada em sangue.
Clara se aproximou, sua voz baixa e controlada.
— A equipe encontrou a carta junto ao corpo. Exatamente como antes. Parece que ele está começando a se sentir confortável com esse padrão.
— Ou está preparando o terreno para algo maior — acrescentei, os olhos fixos na letra.
Clara assentiu.
— Ele está tentando te forçar a fazer algo, Jack. Quer que você o siga.
Olhei novamente para a cena, tentando não deixar a náusea me dominar. Havia algo diferente dessa vez. Mais do que a brutalidade do crime, mais do que a carta ou a assinatura na parede. Era como se o próprio espaço estivesse me pressionando, empurrando-me em direção a uma verdade que eu não queria enfrentar.
Eu me aproximei da parede, sentindo um estranho impulso. Toquei a tinta vermelha que formava o "A". O sangue ainda estava úmido, pegajoso. Meus dedos se mancharam de vermelho. Era um gesto quase instintivo, como se algo dentro de mim precisasse daquela conexão física com o assassinato.
E foi então que as lembranças começaram a surgir.
Eu estava na casa onde cresci. As paredes velhas, os móveis gastos pelo tempo. Minha mãe, ao fundo, segurando algo nas mãos que eu não conseguia ver. Havia uma discussão, gritos abafados. Eu estava lá, mas era como se assistisse tudo de fora, uma versão mais jovem de mim observando de um canto escuro. E havia algo mais... uma presença, sempre à espreita.
A dor de cabeça me atingiu com força. Afastei a mão da parede, cambaleando para trás.
— Jack, está tudo bem? — Clara me segurou pelo braço, seus olhos arregalados.
Balancei a cabeça, tentando afastar a névoa que se formava em minha mente.
— Sim... só... só preciso de um momento.
Ela me soltou, mas seu olhar continuava cravado em mim. Sabia que havia algo errado, mas não pressionou. Ela sabia que eu estava no limite, à beira de uma revelação que poderia quebrar tudo.
Turner se aproximou, me entregando outro relatório.
— Parece que a vítima era uma professora. Sem família próxima. Morava sozinha. A vizinhança não ouviu nada, nenhum grito. Só o sangue, a marca e a carta.
— Outra carta... — murmurei, lendo as informações.
— E há mais uma coisa — continuou Turner, enquanto apontava para a mesa ao lado da cena do crime. — A faca usada no ataque foi deixada. Ela está limpa, como se ele quisesse garantir que fosse encontrada.
Essa ação — de deixar a arma do crime — não era um descuido. O assassino estava se tornando cada vez mais audacioso, deixando claro que tinha controle total da situação. E a cada novo movimento, mais evidente se tornava que ele estava me conduzindo a algo que eu não queria enfrentar.
O jogo estava prestes a mudar de fase.
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JACK CARTER
Misterio / SuspensoJack Carter é um mentiroso talentoso. Um homem de respostas rápidas, histórias inventadas e uma capacidade invejável de enrolar qualquer um. Mas, quando o detetive da polícia local, Marcus Turner, percebe que Jack tem uma estranha habilidade para in...