Capítulo 14: Pedaços de Verdade

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O som dos meus passos ecoava pela casa vazia, como um lembrete constante do silêncio que eu sempre temia. Estar de volta aqui, na casa em que cresci, parecia um castigo cruel, uma provocação do destino. Cada canto, cada parede desbotada, carregava um peso invisível. Eu podia sentir a presença dos fantasmas do passado, espreitando, observando. Eles sempre estiveram lá, mesmo quando eu tentava escapar deles.

Turner me acompanhava, mas sua presença me parecia distante. Ele seguia atrás de mim, atento a cada detalhe, mas não falava muito. Clara estava ao nosso lado, movendo-se com cautela, como se o simples toque em qualquer objeto pudesse desencadear memórias indesejadas. Eu sabia que ela podia sentir minha tensão. Afinal, não era exatamente fácil esconder.

— Aqui — disse eu, parando na entrada do antigo quarto dos meus pais.

A porta estava entreaberta, rangendo levemente com a brisa que passava pela casa. Um cheiro de mofo invadia o ar, misturado com algo que eu não conseguia identificar de imediato. Uma mistura de nostalgia e repulsa. Entrei no quarto com hesitação, as mãos suando. O ambiente estava praticamente intocado, como se o tempo houvesse parado desde a última vez que eu estive aqui.

— Era aqui que... — minha voz falhou, e eu me esforcei para continuar. — Onde tudo começou.

Turner se aproximou, observando em silêncio, enquanto Clara mantinha-se à distância, provavelmente tentando não invadir aquele momento. Mas eu sabia que ela estava atenta a cada palavra, cada gesto.

O quarto estava cheio de memórias. As roupas antigas ainda pendiam no guarda-roupa, o velho espelho refletia uma versão distorcida de mim. De repente, fui levado de volta àquela noite — o barulho dos gritos, o som de algo quebrando, e eu, escondido atrás da porta, ouvindo, sem saber o que fazer. Meu pai, furioso, e minha mãe, impotente.

Eu respirei fundo, tentando empurrar essas lembranças de volta para o buraco onde eu as havia enterrado. Mas não era tão simples assim.

— Jack, você está bem? — Clara perguntou suavemente, quebrando o silêncio sufocante.

— Não — admiti, deixando escapar um suspiro trêmulo. — Eu odeio esse lugar. Cada pedaço dessa casa me lembra algo que eu preferia esquecer.

Eu me virei para o espelho, observando meu reflexo cansado, as olheiras profundas que me faziam parecer um estranho para mim mesmo. O garoto que uma vez viveu ali havia desaparecido, consumido pelas camadas de mentira, dor e culpa.

— Foi aqui que as coisas começaram a desmoronar para você, não foi? — Clara disse, sua voz era firme, mas carregada de empatia.

Eu acenei, incapaz de dizer mais. Ela estava certa. Foi ali que tudo começou. Foi naquele quarto que eu aprendi que a verdade era dolorosa demais para ser enfrentada de frente. E desde então, as mentiras se tornaram meu escudo, minha defesa contra a realidade.

Turner, por outro lado, não parecia interessado nas emoções que aquele lugar provocava em mim. Ele estava mais focado em encontrar qualquer pista, qualquer detalhe que pudesse levá-lo ao assassino que estávamos perseguindo. Mas eu podia sentir que algo dentro de mim estava se partindo mais a cada segundo que permanecíamos ali.

Caminhei até a velha cama, onde o edredom ainda estava dobrado, como se minha mãe fosse entrar a qualquer momento e arrumar o quarto. Eu me agachei e passei a mão por baixo dela, procurando algo que eu sabia que estaria ali, onde eu sempre escondia as coisas que não queria que meu pai encontrasse.

Meus dedos tocaram algo duro. Puxei uma velha caixa de madeira que havia sido minha desde criança. Nela estavam minhas lembranças mais escuras. Fotos rasgadas, cartas não enviadas. E ali, entre elas, um envelope que eu não reconhecia. Um envelope vermelho, com uma letra firme e agressiva na frente: "Para Jack."

Meus olhos se estreitaram. Não me lembrava de ter visto aquilo antes.

— O que é isso? — Turner perguntou, notando o envelope em minhas mãos.

Eu o virei, hesitante, sem saber o que esperar. Quando finalmente o abri, o conteúdo me fez congelar.

Dentro havia uma carta, escrita com uma caligrafia apressada, quase maníaca. As palavras saltaram à minha mente com um impacto devastador:

"Você me conhece. Eu estou aqui, Jack. Sempre estive. Deixe-me mostrar a verdade que você insiste em esconder. — A."

Meu coração começou a bater mais forte, e a sala pareceu ficar menor, como se as paredes estivessem se fechando ao meu redor. Turner e Clara me observavam, esperando por uma reação. Mas eu estava paralisado.

Essa letra. Esse tom. Era o mesmo que o assassino vinha usando. "A". A mesma assinatura encontrada em todas as cenas de crime. Como essa carta havia chegado ali? Como alguém sabia onde eu escondia essa caixa? Minhas mãos tremiam quando entreguei o papel para Clara, que leu silenciosamente, com uma expressão de crescente preocupação.

— Isso não faz sentido... — sussurrei, mais para mim do que para eles.

— Ele está mais próximo do que imaginamos — Turner disse, seu rosto endurecendo. — E ele está brincando com você, Jack.

Brincando comigo. Era exatamente isso que parecia. O assassino não estava apenas tirando vidas. Ele estava se divertindo, manipulando meus medos mais profundos, jogando comigo em um nível que eu nunca havia previsto.

— Jack — Clara chamou, tocando meu ombro, tentando me trazer de volta à realidade. — Vamos descobrir o que está acontecendo. Mas precisamos de você aqui, agora.

Eu balancei a cabeça, tentando afastar a névoa de terror que se instalava em minha mente. Mas o medo já estava lá, agarrado a mim como uma segunda pele. Eu estava no meio de algo muito maior do que eu poderia imaginar. E, pela primeira vez, sentia que talvez não estivesse no controle do jogo.

Naquele momento, a insônia que vinha me consumindo parecia um mero reflexo do caos que estava prestes a se desenrolar. O passado que eu tanto tentara esquecer estava voltando para me assombrar, mais forte do que nunca.

JACK CARTEROnde histórias criam vida. Descubra agora