Fragmentos

O primeiro olhar

As noites no interior tinham um charme especial. A lanchonete "Sabor do Campo" iluminava-se com luzes amareladas que convidavam os moradores a se reunirem para um lanche e boas conversas. Daiana trabalhava lá todas as noites, servindo hambúrgueres, batatas fritas e sobremesas, sempre com um sorriso no rosto — pelo menos para os clientes habituais. Ela tinha cabelo curto e castanho, que emoldurava seu rosto de maneira despretensiosa, enquanto seus olhos castanhos brilhavam com uma mistura de determinação e reservas.
Certa noite, enquanto organizava os cardápios, Daiana ouviu a voz dos seus colegas soar pelo salão. Quando olhou para cima, seu coração pulou. Ele entrou como uma brisa fresca em um dia quente. Lucas era loiro, com cabelos bagunçados e olhos azuis que pareciam refletir o céu noturno. Havia algo nele que imediatamente a atraiu; a forma como ele se movia, confiante e despreocupado, fez com que Daiana sentisse um frio na barriga.
"Oi! O que você vai querer?" Daiana perguntou, com um brilho nos olhos.
Lucas, perdido em seus pensamentos, balançou a cabeça para se concentrar.: "Um cheeseburguer e uma limonada, por favor." A voz dele tinha uma melodia que parecia ecoar em sua mente. Mas em vez de se deixar levar pela atração instantânea, ela decidiu agir como sempre — distante.
"Só isso?" perguntou Daiana, olhando para ele com uma expressão neutra. "Não quer algo mais? Um doce ou uma porção de fritas?"
Lucas sorriu de forma descontraída. "Não sou muito fã de doces," respondeu ele. "Mas quem sabe você me convence a mudar de ideia?"
Ela revirou os olhos mentalmente, tentando ignorar a forma como seu estômago se contorcia. "Não estou aqui para convencer ninguém," replicou, tentando manter o tom sarcástico. "Só para servir." Mas enquanto falava, ele se aproximou um pouco demais da mesa e, num movimento desastrado, derrubou a taça de shake que Daiana acabara de fazer. O líquido vermelho espirrou por todo o balcão e pelo chão.
"Não! Não!" Daiana exclamou, seus olhos se arregalando em choque. "Você tem que estar brincando!"
Lucas ficou paralisado por um instante, a expressão de culpa estampada no rosto. "Desculpa! Eu não queria fazer isso," ele disse rapidamente, tentando consertar a situação.
"Ótimo! Mais uma pessoa atrapalhando a minha noite!" Daiana respondeu com um tom cortante, a frustração transparecendo em sua voz. "Você não consegue ficar parado?"
Sentindo-se mal pela situação e pela forma como ela estava reagindo, Lucas se agachou para tentar limpar os pedaços de vidro do chão. "Deixa eu ajudar," ele pediu com sinceridade.
"Não! Sai de perto!" Daiana gritou, sua voz cheia de raiva. "Se você ficar aqui vai acabar fazendo mais merda ainda!"
A tensão no ar era palpável. Lucas sentiu seu coração acelerar enquanto tentava entender o que havia feito para merecer tal resposta. "Eu só queria ser educado! Não precisa ser assim!" ele retrucou, a frustração crescendo dentro dele.
"E eu não pedi sua ajuda!" ela respondeu friamente, sem olhar para ele.
Depois de alguns segundos pesados em silêncio, Lucas respirou fundo e decidiu que já tinha chegado longe demais naquela conversa. "Se é assim que você quer... eu vou embora," disse ele, mantendo a dignidade.
"Ótimo," Daiana respondeu, já desviando o olhar para limpar o desastre sozinha.
Ele saiu da lanchonete com o peito apertado e a sensação de que aquele encontro não tinha sido como ele esperava. Enquanto caminhava pela calçada, pensou sobre como as primeiras impressões podem ser enganosas e como aquela garota tinha mexido com seus sentimentos – mesmo que não da forma como ele imaginava.

Depois que Lucas saiu da lanchonete, o clima pesado permaneceu no ar. Liandra e Manu, que estavam terminando o turno da noite, perceberam a tensão no rosto de Daiana enquanto ela limpava o chão. As duas se entreolharam, sabendo que precisavam conversar com a amiga.
"Daiana, podemos falar um minuto?" Liandra começou, com um tom mais suave.
"Sobre o que?" Daiana respondeu, sem tirar os olhos do chão.
"Sobre o menino que acabou de sair," Manu disse, tentando ser delicada. "A gente viu o que aconteceu. Você foi muito dura com ele."
Daiana parou por um instante e lançou um olhar fulminante para as amigas. "Dura? Ele derrubou uma taça de shake e quebrou tudo! Isso é prejuízo! Você acha que eu vou ficar aqui sorrindo para ele depois disso?"
"Mas ele não fez por mal!" Liandra argumentou. "Ele estava nervoso e só queria ajudar."
"Ajuda? Por favor! Ele só estava tentando me xavecar!" Daiana disparou, levantando a voz. "Era óbvio que ele estava mais interessado em mim do que em qualquer outra coisa!"
Manu tentou intervir: "Mas isso não justifica a forma como você tratou ele! Ninguém merece ser tratado desse jeito, ainda mais quando só está tentando fazer uma boa impressão."
Daiana cruzou os braços, irritada. "Vocês não entendem nada! Eu estou aqui trabalhando duro e não tenho tempo para esses joguinhos. Ele veio aqui, derrubou meu shake e ainda quer que eu seja simpática? Não!"
As amigas trocaram olhares preocupados. Liandra respirou fundo e disse: "Só estamos dizendo isso porque nos importamos com você. Às vezes, você pode ser tão fechada que acaba afastando as pessoas."
"Eu não preciso de conselhos de vocês!" Daiana respondeu, sua voz cheia de raiva. "Se eu quiser saber como lidar com homens ou com situações assim, eu pergunto. E esse menino era só mais um tentando me enrolar!"
Manu deu um passo à frente, tentando manter a calma. "Só queremos que você se lembre de ser gentil. Às vezes, uma boa atitude pode mudar tudo."
"Gentileza é legal até certo ponto," Daiana retrucou. "Mas eu não vou ficar passando a mão na cabeça de quem quebra meu trabalho."
Liandra olhou para Manu e decidiu mudar de assunto: "Só queremos te ver feliz, amiga. Pense bem no que aconteceu."
Com isso, as duas amigas se afastaram, deixando Daiana sozinha com seus pensamentos confusos sobre o encontro inesperado com Lucas e a forma como reagiu a ele.