Único

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Lá fora, as crianças riam e gritavam. Suas sombras se contorciam e saltitavam sobre o brinquedo quebrado. O brinquedo já fora inteiro e bom. Agora o eixo estava quebrado, as quatro rodas lascadas espalhadas. A instrutora da creche se ajoelhou na frente de Bokuto. No pôr do sol bruxuleante, o remendo de tulipas roxas em seu avental se tornou um hematoma. Com o tempo, ele a perdoaria. Com o tempo, ele entenderia isso. Agora, suas lágrimas ardentes desapareciam no tapete.

"Porque você é mais velho," ela disse, suas mãos grandes cobrindo o pequeno punho trêmulo dele. "Porque você é maior. Você tem que ser mais cuidadoso. Você precisa ter mais controle."

Na escola primária, a turma cuidava de um coelho. Eles se revezavam para alimentá-lo e acariciá-lo, acariciando as linhas flexíveis de suas orelhas. Todos, exceto Bokuto. Ele era muito barulhento, eles disseram, sua voz machucaria seus ouvidos. Ele gritava muito. Ele corria muito rápido. Ele batia muito forte. Parado sozinho no pátio, bola nas mãos, ele observava seus colegas se aglomerarem em volta do coelho. Eles gritavam de tanto rir. Com suas pernas fortes, o coelho pulou para longe. A curva de seu corpo deslizou em linhas elegantes. Ele queria tocar seu pelo macio.

Quando voltou para casa, ele jogou sua mochila contra a gaveta. Algo caiu em cima dela.

Ele tinha uma fantasia. Em seu sonho, ele era grande, forte e quieto. Seus pais não diriam por que você não poderia ser mais parecido. Eles diriam bom trabalho. Seus colegas de classe gostariam dele. Ele não ficaria feliz em um segundo e triste no outro. Suas emoções seriam uma piscina plácida ou, melhor ainda, ele não sentiria nada.

Encolhido no canto do quarto, ele escolheu o adesivo. Na escola, ele nunca recebeu as estrelas douradas ou os rostos largos e sorridentes. Em vez disso, ele começou sua própria coleção e os escondeu debaixo da cama. Eles eram grandes e retangulares, brilhantes e fortes. Ele os colou sobre a boca e abaixou a cabeça entre os joelhos. Ele só conseguia respirar pelo nariz, duas pontinhas de ar. Às vezes, ele tentava respirar pela boca, mas seus lábios estavam bem fechados. Seus pulmões queimavam, o peito arfava. Esses adesivos às vezes eram precisos, mas às vezes não. Eles diziam: Aviso. Cuidado. Pesado. Perigoso. Frágil.

Na creche, o brinquedo. Na escola primária, o coelho. No ensino médio, Akaashi.

Bokuto se inclinou para ouvir a resposta de Akaashi. Ele amava a voz calma de Akaashi. Akaashi falava como se penas flutuassem de sua boca e flutuassem pelo ar.

"Sim," Akaashi disse. "Eu vou sair com você."

"Sério? Sério? Sim!" Bokuto apertou o punho ao seu lado. Um pássaro, assustado pelo grito, voou para longe de uma árvore próxima. O bater de suas asas soou como papel rasgando. Bokuto olhou para o pássaro, uma nova sensação de afundamento em seu estômago. Seu coração batendo lutava contra o frio, desacelerando e parando com uma batida lenta. Muito apaixonado por Akaashi, ele havia se esquecido de si mesmo. Ele era destrutivo e doloroso, violento e incontrolável.

"Algo errado?" Akaashi perguntou. Ele cobriu a boca com a mão, mas seus olhos eram suaves e afetuosos. Bokuto abriu a boca, mas não conseguiu encontrar palavras para dizer que, com o tempo, ele o machucaria também.

Alguns fatos. Ele foi reprovado em matemática. Ele comprou almoço no refeitório. Ele amava Akaashi.

Alguns fatos sobre Akaashi que o cativaram. Akaashi mantinha uma lixa de unha em sua bolsa. Quando ele achava que suas unhas eram muito longas para sua configuração, ele se sentava sozinho e as lixava, dedo por dedo. Sua caligrafia era limpa. Mesmo quando rabiscava, as curvas sempre ficavam fáceis nas linhas. Ele comia um grande almoço todos os dias. Ele não era um comedor exigente. Às vezes, o arroz grudava em suas bochechas. Com seus dedos longos, ele as arrancava e as chupava da ponta dos dedos. Ele não gostava de beijar.

RUN RABBIT RUN - bokuaka [tradução]Onde histórias criam vida. Descubra agora