Capítulo 1

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Maitê chegou em casa exausta, o peso de mais um dia de trabalho se refletia em cada passo que dava. Seu corpo parecia carregar o peso de semanas de cansaço acumulado, e seus ombros estavam tensos, como se o mundo inteiro descansasse sobre eles. O cheiro de cebola impregnado em sua roupa parecia quase palpável, uma mistura de temperos e suor que tornava o ar ao seu redor denso e pesado. Cada vez que se aproximava de seu quarto, o desejo de se livrar das roupas sujas e imersas no cheiro forte a consumia mais e mais.

Assim que entrou no quarto, com as paredes pintadas em um tom suave de azul que sempre lhe proporcionava uma sensação de calma, Maitê começou a se despir lentamente. As peças de roupa, manchadas e gastas, caíram ao chão uma a uma, como se cada uma representasse uma parte de seu dia que ela queria esquecer.

— Uhhh... Mais uma peça para o lixo — murmurou, soltando um suspiro de resignação, enquanto jogava a blusa em um canto do quarto.

Era a terceira vez naquele mês que uma de suas roupas acabava arruinada por causa do trabalho. Aquele ciclo parecia interminável. Ao mesmo tempo em que o desejo de ter seu próprio restaurante a empurrava para frente, a realidade cruel de sua situação atual a mantinha em um estado de estagnação. As horas no restaurante em que trabalhava, servindo clientes que nem sequer olhavam em seus olhos, pareciam se arrastar de forma insuportável. Sentia-se invisível, como se fosse apenas uma engrenagem na grande máquina do cotidiano, sem importância real ou valor.

"Será que vale a pena continuar?", pensou brevemente, enquanto seus dedos corriam pelos nós do cabelo. A resposta era sempre a mesma, mas ainda assim, ela não conseguia evitar essa pergunta que voltava todas as noites.

Desesperada por um pouco de alívio, Maitê dirigiu-se ao banheiro. A luz amarelada do cômodo oferecia um brilho suave e acolhedor, enquanto o som da água corrente preenchia o silêncio da casa. Ao entrar no chuveiro, a água quente, inicialmente quase escaldante, parecia derreter cada pedaço de tensão acumulada em seus músculos. Os jatos de água escorriam por sua pele morena, levando embora a sujeira e o cansaço do dia, mas também oferecendo um momento de introspecção que ela sempre valorizava.

Maitê encostou a testa contra os azulejos frios, os olhos fechados, deixando-se perder nos próprios pensamentos. Pensou em suas aspirações, nos sonhos que pareciam tão distantes. O desejo de abrir seu próprio restaurante, onde pudesse ser a chefe de si mesma, onde cada prato preparado tivesse um toque de sua paixão, parecia quase inalcançável. Ainda assim, era o que a mantinha em movimento, o que a impedia de desistir completamente.

Após o banho, com a pele revigorada e o corpo um pouco mais leve, Maitê envolveu-se no seu roupão macio e caminhou em direção à cozinha. O cheiro familiar de cookies invadiu seus sentidos, transportando-a instantaneamente para um passado mais simples e cheio de calor. Esse aroma sempre trazia uma sensação de segurança, uma lembrança dos dias em que a maior preocupação era se o doce ia sair crocante ou macio.

— Estou fazendo os seus biscoitos favoritos, estão quase prontos. Imagino que você deve estar com muita fome — a voz suave e sempre preocupada da mãe de Maitê chegou até ela antes mesmo de cruzar a porta da cozinha.

— Obrigada, mãe. Hoje foi um dia muito cansativo — respondeu Maitê, tentando esconder o desânimo. — Às vezes me pergunto se realmente preciso passar por tanta humilhação, se vale a pena continuar nesse trabalho que só me desgasta...

A mãe de Maitê, de cabelos grisalhos e presos em um coque frouxo, virou-se do forno e a olhou com um sorriso encorajador. Suas mãos, sempre cobertas de farinha quando estava na cozinha, davam um toque quase cômico à sua aparência, mas era aquele sorriso caloroso que sempre aquecia o coração de Maitê.

— Minha querida, você é muito forte. Sei que às vezes parece difícil, mas tenha paciência. Tenho certeza de que seu restaurante será um sucesso um dia. Confie nos seus sonhos — disse a mãe, estendendo uma bandeja cheia de cookies dourados e ainda fumegantes.

Sentaram-se à mesa da cozinha, pequena mas acolhedora, e o calor dos biscoitos recém-assados aqueceu mais do que apenas seus corpos. Era como se, por alguns minutos, o mundo lá fora não existisse, e tudo o que importava fosse aquele momento de conexão entre mãe e filha. O sabor doce dos cookies, que se desmanchavam na boca de Maitê, trazia uma sensação de conforto que ela não sentia há muito tempo.

— Esses cookies estão perfeitos, mãe — disse Maitê, sorrindo sinceramente pela primeira vez naquele dia.

— Que bom que você gostou. Eu amo ver você sorrindo — respondeu a mãe, seus olhos brilhando com orgulho e carinho.

Depois de saborearem os biscoitos, ambas se dirigiram para a sala, onde um sofá confortável as esperava, envolto em cobertores e travesseiros macios. A maratona de filmes era uma tradição que mantinham desde que Maitê era criança. Cada filme escolhido trazia lembranças de risos e de noites como aquela, onde os problemas eram deixados de lado por algumas horas.

Com os filmes rodando e as luzes baixas, elas riram, comentaram as cenas e compartilharam piadas internas. Maitê, por alguns momentos, esqueceu-se completamente das dificuldades do trabalho, das preocupações com o futuro, e se permitiu viver o presente. A presença da mãe, sempre tão forte e ao mesmo tempo suave, era uma âncora em sua vida, algo que a mantinha firme mesmo nas tempestades mais difíceis.

O tempo passou rapidamente, e antes que Maitê percebesse, o relógio já marcava 23:37. A realidade começou a se insinuar novamente, lembrando-a de que o dia seguinte seria mais uma batalha a ser enfrentada.

— Mãe, já é tarde. Eu preciso ir dormir, amanhã o trabalho me espera cedo... — disse ela, levantando-se com certa relutância, sentindo o peso da responsabilidade voltando aos seus ombros.

— Vá descansar, minha querida. E não se preocupe, tudo vai dar certo. Agora vá, tenha uma boa noite de sono — respondeu a mãe, enquanto recolhia os últimos pratos e limpava a cozinha com aquele mesmo sorriso de sempre.

Maitê dirigiu-se ao seu quarto, o cheiro de cookies ainda pairando no ar, como um abraço invisível que a acompanhava. Ajustou o alarme do celular para despertar às 06:30 e deitou-se na cama, sentindo o peso do dia finalmente esvanecer-se.

"Um dia eu vou sair dessa rotina. Eu vou fazer isso por mim e por ela", pensou antes de finalmente fechar os olhos e se deixar levar pelo sono.

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