𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟐

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LALISA MANOBAN;

— Belezo, vejo vocês mais tarde — digo, piscando para Bambam e fechando a porta do meu quarto para os dois ficarem à vontade.

Fico cara a cara com as órbitas ocas do crânio desenhado na minha porta, com uma máscara de oxigênio e a frase "Deixai toda esperança, ó vós que entrais" escrita logo abaixo. Esse deveria ser o slogan deste hospital. Ou de qualquer um dos cinquenta em que eu estive nos últimos oito meses da minha vida.

Olho para o final do corredor e vejo uma porta se fechando atrás da garota que vi entrando em um dos quartos do hospital hoje, seu All Star branco desaparecendo do outro lado. Ela estava sozinha quando a vi, carregando uma mochila grande o suficiente para caber três adultos dentro, mas ela era bem gata, na verdade. E sejamos sinceras. Não é todo dia que se vê uma garota moderadamente bonita passeando pelo corredor de um hospital, ainda mais a umas cinco portas para além da sua.

Olhando para o meu caderno de desenhos, dou de ombros, dobrando-o antes de colocá-lo no bolso de trás, e saio andando pelo corredor atrás dela. Não é como se eu tivesse algo melhor para fazer, e eu com certeza não quero ficar por aqui durante a próxima hora.

Empurro as portas e a vejo atravessando o chão de ladrilhos cinza, acenando e cumprimentando quase todo mundo por onde passa, como se estivesse fazendo seu desfile pessoal de Ação de Graça. Ela entra no enorme elevador envidraçado, com vista para o átrio leste, logo depois de uma árvore de Natal toda enfeitada que devem ter colocado ali de manhã, muito antes de as sobras do Dia de Ação de Graças sequer terem sido comidas.

Só Deus sabe o que aconteceria se deixasse aquele peru gigante exposto daquele jeito por mais um minuto que fosse. Observo enquanto ela ajeita a máscara no rosto e estica o braço para apertar o botão do elevador, as portas se fechando lentamente.

Começo a subir a escadaria que fica ao lado do elevador, tentando não esbarrar em ninguém, e o vejo parar no quinto andar. Claro. Subo as escadas o mais rápido que meus pulmões permitem, e consigo chegar a tempo de entrar em uma crise de tosse terrível e me recuperar antes de vê-la sair do elevador e sumir por um corredor. Esfrego o peito, pigarreando, e a sigo por alguns corredores até a passarela coberta por vidro que leva ao próximo edifício.

Apesar de ter chegado só hoje de manhã, ela claramente sabe aonde está indo. Pela velocidade em que ganha e pelo fato que aparentemente conhece cada pessoa do prédio, não ficaria surpresa se ela fosse prefeita desse lugar. Faz duas semanas que estou aqui e só descobri ontem como me deslocar do meu quarto até o refeitório do Edifício 2 sem me perder, e meu senso de direção é ótimo. Já passei por tantos hospitais ao longo dos anos que descobrir como circular por eles conta como um hobby para mim.

A garota para em frente a uma porta dupla com uma placa que diz: "Unidade de Terapia Intensiva Neonatal", e espia antes de abri-la. A UTI Neonatal. Estranho.

Ter filhos quando você tem FC entra na categoria "extremamente difícil". Já ouvi falar de garotas que tem a doença que ficaram muito chateadas com isso, mas ir olhar bebês que você nunca poderá ter é outro nível. É simplesmente deprimente.

Há muitas coisas que me irritam em ter FC, mas essa não é uma dessas. Praticamente todos os caras que tem fibrose cística não podem ter filhos, e no meu caso, que sou intersexual, é a mesma coisa. O que significa que, pelo menos, eu não preciso me preocupar em engravidar ninguém e começar minha própria família cagada. Aposto que Bambam queria estar no meu lugar agora.

Olhando para os dois lados, atravesso o espaço até a porta, espiando pela janela estreita e vendo-a em pé, de frente para o vidro, seus olhos grudados em um bebê pequeno dentro de uma incubadora do outro lado. Seus frágeis braços e pernas estão ligados a aparelhos dez vezes maiores que ele. 

A Cinco Passos de Você - JenlisaOnde histórias criam vida. Descubra agora