Desde que me lembro por gente, sempre fui uma criança um pouco diferente. Eu não gostava de tudo o que as garotinhas deveriam gostar na segunda série. Eu era curiosa, autêntica e cheia de personalidade. E aqueles aspectos ainda refletiam na minha idade adulta, e eu os expressava através da minhas roupas escuras, maquiagens e cabelo cor-de-rosa.
Eu ainda me recordava da fase da minha vida, na adolescência, para ser mais específica, em que tentei me encaixar. Mas com o passar do tempo percebi como tudo aquilo era uma grande besteira, e me tornei muito mais feliz quando aceitei a abracei minha escuridão. Isso é claro, até conhecê-lo.
Guilherme me encarava pelo reflexo do espelho, fitando meus olhos como se os dele próprio fossem navalhas prontas para cortar meu rosto fora. Eu tentei não demonstar meu nervosismo ao respirar fundo discretamente e não desviar minha atenção da tarefa de passar o delineador.
Eu estava me arrumando para um evento importante do meu trabalho. Tudo bem. Não era tão importante. Era apenas um coquetel com as pessoas da editora que publicava meus livros. Seria bem informal, mas aquilo não significava que eu não tinha que causar uma boa impressão para as pessoas que pagavam o meu salário, além disso, era bem comum que grandes nomes do mercado literário brasileiro fossem convidados.
- Que horas você volta ? - O tom de Guilherme estava baixo, mas havia algo a mais inplicito em suas palavras contidas.
Engoli em seco e afastei a mão do rosto ao terminar de fazer o delineado. Será que ele conseguia ouvir o ribombar do meu coração?
- Não sei. A hora que terminar, eu acho. Esses eventos não costumam terminar muito tarde, você sabe. - Fiz um gesto de ombro e forcei um sorriso amarelo em meus lábios pintados de vermelho.
- Vai para algum lugar depois do evento?
- Não. - Respondi imediatamente.
Em alguns eventos anteriores, já ocorreu da galera mais próxima decidir continuar bebendo em algum bar. Eles me convidaram algumas vezes, porém nunca fui, e acabei caindo na besteira de mencionar isso ao Gui.
- E você tem certeza de que só vão pessoas da editora? - Sua voz ficava cada vez mais afiada. As nuances em seu timbre eram tão sutis que eu só notava o estrago quando a merda estava feita.
- Sim. - Pisquei algumas vezes e balancei a cabeça enfaticamente. - Talvez algum convidado dos diretores, mas fora isso, só gente do trabalho.
Eram sempre as mesmas perguntas, e eu sabia que era porque ele achava que eu não queria levá-lo comigo aos eventos. Em sua cabeça, todos da editora iam com seus conjuges e eu estava mantendo em segredo o fato de que morávamos juntos.
Eu não conseguia entender como aquilo fazia sentido para o Guilherme, entretanto, eu não entendia quase nada a respeito dele.
Estávamos brigando há uns três dias, desde que o avisei sobre aquela noite, e por mais que paressesse que ele estava se controlando para conversar comigo numa boa, eu via nitidamente sua raiva contida. Ela era refletida em sua postura, seus gestos, e até mesmo a intensidade dos seus passos.
- E você não sabe que horas você volta? - Repetiu a pergunta, aumentando um pouco o tom.
- Não muito tarde, eu acho. - Repeti, virando o rosto para não mais encará-lo através do espelho.
Me afastei da pia do banheiro, deixando a maquiagem esparramada ali em cima, e tentando agir naturalmente, fui até o quarto e borrifei um pouco de perfume em pontos estratégicos do corpo.
Fingir que nada estava acontecendo e que as atitudes de Guilherme não estavam me ferindo haviam se transformado em rotina. Eu achava que se eu fizesse isso, tudo poderia se resolver mais rapidamente e poderíamos voltar a ser o que éramos.
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Ultraviolence||Capitão Nascimento
FanfictionEla sequer podia dizer "a cigana me enganou" quando decidiu dar as costas para a sua intuição e ir morar com o seu namorado. Julia o amava, isso era fato, mas os sinais sempre estiveram lá, e infelizmente, ela apenas os enxergou quando os sinais dos...