· Iscariotes

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Retornando ao começo...

Satoru Gojo

Cambaleio pelos corredores por muito tempo. A iluminação fica cada vez mais escassa e o silêncio, cada vez mais profundo. As paredes começam a se bifurcar cada vez mais, se abrindo numa
imensidão de salas e corredores nos quais facilmente me perderei caso perca a concentração.

Foco, Satoru, foco.

Em determinado momento, fico sem fôlego. Paro, me apoio na parede mais próxima e grito pelo nome de Calvin. Minha voz
ecoa por todas as direções até desaparecer.

Onde você tá?

Invisto à frente. Conforme a adrenalina em meu corpo diminui, mais minha perna reclama e arde. Já quase não existem tochas nas paredes. A maior parte da
luminosidade se dá pelas chamas em minhas mãos e se limita a alguns metros à frente. O ar fica cada vez mais frio e rarefeito.

Tenho a impressão de que vou desmaiar a qualquer segundo. Diminuo a velocidade, mas a ardência em meu ferimento volta a
se transformar em dor, que se intensifica de um jeito anormal a cada segundo.

— Calvin! — grito, do fundo dos pulmões até minha garganta arranhar e doer. Como das outras vezes, não recebo resposta alguma da escuridão à minha frente. — Porra, Calvin…

Não consigo mais andar – ou melhor, mancar. Me apoio na parede de pedra fria ao meu lado e lentamente me arrasto em
direção ao chão. Grunho baixinho e descanso a tocha no solo, próxima ao meu pé. Mordo a língua e dou uma boa olhada no corte em minha coxa. O sangramento reduziu, mas até agora não estancou. É um ferimento longo e profundo, mas se tivesse
atingido alguma artéria importante eu já teria morrido. Dói. Dói para um caralho. Dói apenas de olhar para a ferida aberta.

Contraio os lábios. Merda. Preciso fazer alguma coisa.

Olho ao redor em meio ao breu profundo e assustador do subsolo da Masters. Qual decisão em minha vida me levou até
este exato momento? Que curva tomei que me fez acabar com um maldito rasgo na coxa no meio de um manto de escuridão
quase absoluto enquanto busco pelo meu irmão?

Consigo pensar em várias respostas diferentes desde que cheguei nesta escola; todas fariam muito sentido, mas nenhuma
seria correta de verdade. A decisão que me trouxe até este momento não foi minha, foi do meu pai, quando decidiu internar
os dois filhos nesse inferno. Como ele pôde fazer isso comigo? Com a gente? Por que nos abandonou desse jeito?

Meus olhos ardem; as lágrimas de mágoa se misturam às de dor e borram minha visão prejudicada pela falta de luz ao redor.
Se a maldita tocha apagar, então estarei fodido.

Inspiro fundo, tentando me recompor.

Preciso seguir em frente. Preciso encontrar meu irmão. Se nosso pai não vai nos
ajudar, então Calvin só pode contar comigo. Seguro a barra da camisa e rasgo um pedaço do tecido. O som das fibras se rompendo preenche o corredor até então
mortalmente silencioso – à exceção do crepitar sutil da tocha.

Quando consigo uma porção suficiente, enrolo-a ao redor da coxa e faço um nó.

— Ah! — Não consigo conter o grito quando sinto a pressão sobre o corte. É como ter aquela adaga enfiada na minha carne de
novo. — Merda, merda, merda… — Respiro algumas vezes até a sensação excruciante se atenuar. — Vamos lá, seu filho da puta
desgraçado.

-» Entre neblina e desejo / SatosuguOnde histórias criam vida. Descubra agora