O dia que a Sra. Smith virou um monstro com asas

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Eu não fazia a menor ideia de como iria explicar que minha professora de espanhol se transformara em um monstro com asas.
Tudo começou quando me atrasei para o café da manhã. Desci as escadas correndo até o refeitório da escola Sunshine Austin. Cujo eu apelidei de “Manicômio do Sol Nascente". Quando cheguei ao refeitório havia apenas bacon e donuts de chocolate nas bandejas. Coloquei dois donuts em meu prato e todo o resto de bacon que restava na bandeja. Comi o café da manhã com a maior calma que já pairou sobre mim. Até ela aparecer do meu lado e insistir em me levar à direção pelo atraso.
Enquanto eu e minha professora de espanhol andávamos pelos corredores do Manicômio, paramos em frente a uma das portas grandes de madeira da escola. Eu sabia que aquela não era a sala do diretor. Afinal eu já estava familiarizada com a sala dele. Entrei na sala acompanhada dela, com um certo receio. A porta se fechou com uma batida muito forte. Me afastei alguns metros de minha professora. Seu rosto começou a ficar com uma cor cinza, quase verde. Por alguns segundos pensei que ela estava passando mal, até ver as penas surgirem na pele dela. Isso mesmo, penas! Como se fossem várias escamas crescendo sobre a pele dela. Olhei para a porta que estava fechada e sem pensar duas vezes corri em direção a ela e dei um chute na maçaneta, o que foi uma ideia muito idiota. Girei a maçaneta desesperada para sair da sala, ela se abriu de supetão e eu saí correndo. A última vez que havia corrido tanto assim havia sido na maratona do acampamento de verão da escola. Ouvi gritos e o barulho de asas batendo uma nas outras atrás de mim. E ao prestar atenção no barulho, tropecei em meus próprios pés. A última coisa que lembro antes de acordar foi o chão de madeira vindo me abraçar.

— Despoina — disse uma voz masculina.
Meu nome é Despoina Jones. Tenho doze anos de idade e estou prestes a ficar muito, muito encrencada.
Me sentei na cama onde estava, olhei ao redor e as paredes estavam brancas, o cheiro do ambiente era limpo e me lembrava um hospital, parecia uma enfermeira. Soltei um grunhido por causa da cabeça latejando. Olhei para o homem na minha frente. O Sr. Brunner. O Sr. Brunner era um senhor velho mas não tão velho em uma cadeira de rodas motorizada. Eu poderia dizer que ele era o único na escola que não me olhava como se eu fosse filha do diabo.
— Senhorita Jones, sua mãe está aqui — ele disse.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Você caiu na escada.
Escada? Não havia escada alguma quando eu fugi da Sra. Smith.
— Mas eu não andei por escada nenhuma. Eu estava com a Sra. Smith.
— Sra. Smith está de férias há mais de três semanas — ele falou confuso.
— Pois então ela voltou hoje — eu falei. — E mais estranha do que de costume.
— Senhorita Jones deveria descansar um pouco mais…
— Eu estou bem — disse eu.
Ele passou a mão na testa e disse:
— Sua mãe veio lhe ver.
Isso era péssimo. Não queria dar mais um motivo para minha mãe se preocupar, eu havia prometido que dessa vez ia ser diferente. Seis meses na última escola, nessa foram cinco. Eu estava quase no limite. A maioria das escolas que passei durante minha vida duraram só seis meses. Eu sempre me metia em alguma encrenca, como na vez que prendi um menino no armário. Foi apenas uma vingança pelas vezes em que ele havia colado chicletes no meu cabelo. Dessa vez eu não queria que as pequenas desavenças que estavam acontecendo me atrapalhassem.
Deitei na cama e fechei os olhos. Ouvi a maçaneta girando e ouvi os passos dela, assim como a voz suave agradecendo o professor Brunner. Abri os olhos e me levantei da cama em um salto.
— Mãe !
— Meu floco de neve — ela disse.
Eu sabia que minha mãe adorava me lembrar do motivo do meu nome. Despoina, deusa da geada e do inverno.
— Mãe, desculpe. É sério não foi nada eu posso continuar aqui. Eles estão exagerando.
— Querida, eu vim por conta própria. Ninguém me chamou.
— Mas por que ?
— Eu senti sua falta.
Me joguei em seus braços a abraçando.
— Precisamos conversar com o diretor — minha mãe disse.

— Então senhora Jones — começou o diretor.
— É senhorita — disse minha mãe.
— Tá bem. Senhorita Jones — ele disse. — As notas da sua filha estão indo de mal a pior.
Nossa, pensei. 
— Eu havia dito que ela ia precisar de aulas extras por conta do déficit de atenção — afirmou minha mãe.
— Ela tem tido aulas extras. Não funcionaram — ele falou.
Ele se ajeitou na cadeira de madeira.
— Sua filha está envolvida na maioria das brigas que acontecem nesta escola. Não toleramos isso.
Minha mãe olhou para mim com o olhar repreensivo, mas não tão repreensivo.
— Sei que ela tem motivos pra explicar isso — ela disse.
Na verdade eu não tinha, mas eu sabia que esperavam que eu falasse algo.
— O mundo é um lugar muito cruel, senhor — falei.
O diretor se debruçou sobre a mesa.
— Eu te conheço de outras longas histórias Despoina.
Um sorriso brotou em meu rosto ao lembrar de quando coloquei um grampeador na cadeira dele. Não sei que tipo de pessoa cai em uma brincadeira dessas, mas ele caiu. Ganhei vinte dólares por causa disso.
— Desi — repreendeu minha mãe.
— Eu sempre tento dar o meu melhor senhor.
— Irei dar mais cargas horárias para sua filha — disse o diretor.
Franzi o cenho ao ouvir isso. Mais aulas. Já não bastava viver sete dias por semana, vinte e quatro horas por dia dentro desse lugar, eu ainda teria mais aulas. Eu passaria as noites em claro em prol de aprender coisas inúteis.
— Não será necessário senhor — Minha mãe se levantou da cadeira. — Estou retirando ela dessa escola.
O diretor olhou para mim com um sorriso nos lábios. O sorriso era tão grande que quase saía de seu rosto. Eu sorri de volta.
— Bom, se a senhorita acha que isso é o melhor para sua filha — ele disse. Seus olhos se voltaram para mim. — Boa sorte na sua vida estudantil fora daqui, senhorita Jones.
— Obrigada — agradeci.
Me levantei da cadeira, minha mãe abriu a porta e saiu da sala.
— Graças a Deus não vou precisar olhar mais pra sua cara — sussurrou o diretor.
— Eu digo o mesmo.
Me dirigi à porta o mais rápido possível. Se a Sra. Smith se transformava em um pássaro horrendo  — coisa que ninguém iria me convencer de que não acontecera — imagine no que o diretor poderia se transformar. Minha mãe estava no corredor ao lado do Sr. Brunner, eles conversavam em sussurros muito baixos.

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⏰ Última atualização: Oct 24 ⏰

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