𝙲𝚊𝚙í𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟸𝟺 ‒ 𝙰 𝚒𝚕𝚑𝚊

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O bote havia furado.

Sentindo a água gelada pressionando seu corpo, os membros frios de Catupi começaram a ficar dormentes, e em seu pulmão havia pouco ar.

Seu nariz não exercia sua função respiratória, sua visão se turvava cada vez mais e seu pulmão ardia pela falta de oxigênio.

Demorou a tentar sair de lá pelo susto, mas ao tomar um pouco de consciência da situação, nadou até o topo.

Enfim ar.

E lá estava, reluzindo sob a luminosidade suave da manhã recém-nascida, a ilha.

Catupi sentiu um alívio absoluto inundar seu corpo tenso. Mas antes que pudesse celebrar, quando olhou para os lados, não viu Kyoto. 

Mergulhou de novo, na esperança de encontrá-lo, abriu os olhos já irritados pelo sal, procurou por ele e nada. Não o encontrava, e cada segundo que passava a angustia se agitava mais em seu peito. Uma sensação de culpa sufocou-a ainda mais do que aquelas águas.

Com olhos ardendo, viu algo, um borrão. Não se importou se fosse algum animal, podia ser ele. Ela nadou impetuosamente, lutando contra a falta de ar. 

Era ele. Kyoto estava inconsciente, a água o puxava para baixo. E mesmo com o ar acabando, foi até ele o mais rápido que pode. Com as mãos trêmulas, alcançou seu amigo, agarrou-o pelo peito e lutou contra a força da água para trazê-lo de volta à costa.

O ambiente calmo da ilha estava em total contraste com a situação angustiante. Kyoto, imóvel sobre a areia dourada, perdera todo o pigmento marrom claro de seu rosto, o que fez o desespero de Catupi alcançar um novo patamar. 

Ajoelhou-se ao lado dele, a água salgada escorrendo de seus cabelos ondulados. Por alguns segundos ficou travada sem saber o que fazer. Mas não havia tempo a perder, com mãos trêmulas, segurou o queixo de Kyoto e chegou perto de seu nariz para sentir algum sinal de respiração. 

Não estava respirando. 

Tentou deixar de lado o assomo de preocupação que caiu sobre seus ombros, tampou o nariz e assoprou na boca dele. Fez 5 ventilações sucessivas e... nada; continuava ali inconsciente, não apresentou nenhum retorno de sinais vitais.

Isso significava uma parada cardiorrespiratória.

Ainda tremendo, ela iniciou os primeiros socorros, rezando silenciosamente para que o conhecimento que obteve no acampamento militar fosse suficiente para trazê-lo de volta.

A cada compressão, seu rosto ficava mais rígido de aflição e seu peito arfava, uma súplica desesperada pela vida de Kyoto. Catupi sentiu uma onda quente e incômoda sufocar sua garganta; um emaranhado de desespero e culpa tomava conta dela como um parasita devorador, crescendo e se alimentando de suas entranhas.

Até que... sob seus dedos trêmulos, o peito de Kyoto se ergueu em resposta, seus pulmões encontrando novamente o ritmo da vida.

Estava vivo. Estava vivo!

— Eu nunca mais vou deixar a segurança da superfície terrestre — ele disse quando enfim parou de ofegar.

Um sorriso largo surgiu no rosto contraído de aflição, e ela teve que fazer algum comentário para esconder o medo que a cercava.

— Justo. Depois dessa eu me demito como programadora de viagens e nossas próximas aventuras vão ficar só no RPG.

Ela lutou contra o ímpeto de abraçá-lo porque não desejava sufocá-lo, então apenas apertou sua mão, depois se levantou. 

Com o vento frio e salgado batendo em seu rosto, ele ficou sentado com os braços abraçando as pernas, esperando recuperar-se por completo. Absorto em seus pensamentos, contemplava o nascer do sol que pintava o mundo inteiro de um tom dourado antes de fechar os olhos e começar a orar de gratidão.

Intrépida: a relíquia do inventorOnde histórias criam vida. Descubra agora