A caminho do sul

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A caminhada até Vanilla ainda estava no começo e não parecia nada fácil. A história da maga não se assemelhava nem um pouco com o que Pérgamo sempre ouvira dos seus mestres. Vindo de uma família de mercadores de madeira, Pérgamo era o primeiro filho de Ladislau o Lenhador - era comum que as pessoas que não eram da aristocracia recebessem apelidos - ingressara na escola dos mestres após seu pai pagar uma pequena fortuna, em troca teria o prestígio de ter um filho mestre. A esta altura ele ainda não sabia que o filho decidira seguir o rei deposto. "Uma idiotice sem precedentes" seria uma possível fala do pai, pois ele sempre preferia estar do lado de quem governava.

Segundo os mestres do castelo, havia um grande conquistador chamado Arquelau Ventura, conde Além do Rio e, este, entrara em confronto com as grandes bestas do norte do vale que protegiam sua entrada; depois de dias de peleja ele e seu exército entraram e dominaram o Vale Almíscar e aí se iniciou a dinastia dos Ventura.

Pérgamo decidira partilhar sua visão com Macadâmia, mas essa não parecia dar-lhe atenção, antes, vasculhava suas quinquilharias atrás de algo que realmente parecia importante.

A casa da maga era terrivelmente suja e estranha. Acostumado aos quartos claros e sempre limpos, Amadeus estava prestes a perguntar se existia um apetrecho chamado vassoura por aquelas bandas. O jovem andava pela casa e sempre era surpreendido por uma teia de aranha que se prendia ao seu rosto para seu completo desespero. Agoniado com a situação, resolveu buscar respostas mais claras.

─ Onde estamos? - denotava impaciência - Me recuso a acreditar que a senhora more neste mausoléu! - concluiu.

Ela olhou como se não entendesse bem o motivo de tal comportamento.

─ Bom; caro aprendiz de mestre... - parou para pensar e colocou a mão direita no queixo ─ Vocês dois são muito ignorantes para quem quer um dia ser um mestre. - Pérgamo olhou de canto para Amadeus para recriminá-lo ─ Esta é a casa da conselheira Berna, poucos sabiam, mas ela também era uma maga da floresta. Ela escreveu um livro sobre sua ida até a Cidade do Sul, este livro os ajudará a encontrar o que o vosso rei tanto deseja. Se ainda for o que desejam...

Amadeus hesitara em falar que considerava tudo uma loucura e que a briga entre os Ventura e os Vitorino não era da conta deles, ainda mais quando envolviam inimigos além das fronteira do Vale.

Na noite passada, Macadâmia os levara até o ponto mais ao sul; perto da velha nogueira onde outra magia não era capaz de chegar, pois essa, mesmo que dormindo há muitos séculos não deixava lhe atacassem. A velha casa de madeira ficava junto a árvore centenária.

Lá fora os cavalos pastavam e, qual foi a surpresa dos jovens, ao olhar, observaram que o fogo quase tinha ido até ali. Pérgamo pode ter a certeza que a maga estava certa sobre o ocorrido no incêndio. Além da árvore, na linha do horizonte norte, tudo estava ressequido e queimado, mas aquém tudo estava como antes. Admirados por tudo que seus olhos presenciavam, começaram a crer um pouco mais em magia.

O livro de Berna não era um livro qualquer, sua rota até a Cidade do Sul seria de grande valia para sua jornada. Diziam as histórias que ela teria conseguido chegar até Vanilla com a ajuda de um pescador. Mas o que os mestres do castelo sempre falaram era que aquilo não passava de uma lenda camponesa e, que a ilha nem ao menos existia nos mapas dos cartógrafos das redondezas. O que os levava a segunda hipótese: a ilha só era visível a quem tivesse contato com algum tipo de magia; isso não seria mais problema para eles, pois mestre Palma lhes deu uma velha caixa vermelha e marrom com alguns itens mágicos.

─ Por que vocês estão tão quietos? - perguntou a maga para os jovens e isso fez com que entreolhassem confusos.

Amadeus parecia meio desconfiado e não tardou a dar uma resposta muito certa ao seu modo de ver.

─ Não podemos ficar de conversa fiada com uma bruxa. - olhou para a mulher com um ar de superioridade. ─ Apesar de nos ter trazido até aqui isso não quer dizer que já confiamos em você. - Pérgamo meneou a cabeça em sinal de desacordo com o companheiro.

─ Perdoe o meu amigo, senhora. - apressou-se Pérgamo - Ele não é afeito a cordialidades quando está com fome. Mas sinto confirmar o que ele disse; mal te conhecemos e não podemos falar muito, apenas que precisamos de uma forma para chegar até a Cidade do Sul.

A maga ficou em completo silêncio olhando para os jovens e tentando entender o que se passava. Ela fora chamada para ajudá-los e, apesar de saber de seu destino, não sabia o porquê da viagem.

─ Creio que seja hora de irmos em frente. Passaremos em minha casa e de lá poderão seguir viagem. - disse a maga.

─ Precisamos comer, senhora maga. - esforçou-se educadamente Amadeus.

─ Não seja por isso, a casa de uma maga nunca falta comida. Um dia peixes secos, outro dia ameixas... Tem dias que há até carne de pavão. - suspirou a maga se deliciando em pensamento.

─ Eu tenho pães secos em minha bolsa de viagem, pode ficar a vontade com seus pássaros exóticos. - Resmungou Amadeus fazendo um careta, isso provocou risos em Pérgamo.

Partindo do velho casebre ela indicou o caminho para chegarem a sua casa. Uma estrada marginal se seguia e os cavalos iam num ritmo tão lento que o sacolejar lhes deixava enjoados, mas a maga parecia absorta em seus pensamentos; ia cantarolando uma música bucólica sobre pássaros e rios, algo que deixava Amadeus em estado de nervos - seus grunhidos aborrecidos não lhe deixavam mentir. De repente a estrada se bifurcava e de podia se notar duas velhas placas de madeiras, a primeira apontava para a esquerda e dizia: "Ervas Presto que espantam leões" e a segunda que indicava a direita dizia: "Floresta dos leões". A veracidade das placas até poderia ser contestada, mas os jovens nunca tinham saído do Vale em suas vidas. Campos floridos se desvelavam e de longe se via a tal casa da maga, um pouco mais inteira e bonita do que a da conselheira Berna.

A casa era de madeira e não era muito ampla, mas era muito aconchegante, pois era quente e dava uma sensação amena aos ventos gelados de um inverno promissor. Não havia sala de estar, apenas umas cadeiras de madeira rústica. Uma grande quantidade de ervas por toda parte, nos armários da cozinha e até penduradas no teto.

Macadâmia vasculhava as gavetas dos armários e procurava algo que parecia importante; talvez ela não fosse muito organizada, haja vista que essa era a segunda coisa que ela não sabia o paradeiro na mesma manhã.

─ A senhora deveria escolher um lugar que se lembrasse para guardar as coisas - disse Amadeus.

─ Você tem razão - esforçou-se ela - É muito sábio deixar chaves mágicas num lugar em que qualquer pessoa encontre, não é mesmo?!

Pérgamo estava distraído enquanto Amadeus e a maga pareciam não se entender. As velharias da casa faziam-no querer descobrir muito mais sobre aquela ordem secreta de magas da floresta. Um ponto brilhava entre as frestas do velho assoalho e ele sem pensar esticou o braço para alcançar aquela luz tão fraca, mas a maga lhe avistou e, nem um pouco contente ficou; não que isso pudesse lhe causar agravo, mas de sorte uma heresia segundo seu pensamento. Ninguém além das magas da floresta poderiam tocar seus artefatos se não fosse lhe dado permissão.

─ O que pensa que está fazendo? - disse ela.

─ Ora, apenas tentando achar a fonte dessa luz tão intrigante. Eu não sou bom em magia antiga ou nova. - desculpou-se Pérgamo.

A maga lançou-lhe um olhar de recriminação, mas não quis fazê-lo realmente, pois era muito estranha essa afirmação. Amadeus os olhava com um sorriso contido.

Pérgamo lhe entregou a chave que parecia de prata, ela pôde abrir o alçapão que estava no meio da cozinha. Os rapazes se entreolharam meio desconfiados. A maga apenas pediu que a acompanhassem. A escuridão que o porão irradiava era realmente estranha. Amadeus ainda não entendera porque o café da manhã deveria ser num porão escuro. Mas a essa altura a maga já poderia ter esquecido da promessa, eles avançavam para o desconhecido.

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Até o próximo capítulo.

;)

O sonhador, a velha árvore e o reiOnde histórias criam vida. Descubra agora