Prólogo

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•• EU, VOCÊ e o que não dizemos! ••
Quando os olhos falam, as palavras silenciam.
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Em um passado não tão distante assim, eu conheci o amor da minha vida. Eu ainda era apenas uma adolescente, cheia de sonhos e um pouco inconsequente, sempre em busca de aventuras.

Órfã de mãe desde os cinco anos de idade, por muito tempo me escondi atrás dessa tristeza que parecia não ter fim. Mas, em um certo dia, afim de mudar minha rotina triste, meu pai me inscreveu em aulas de música. O que começou como uma tentativa de terapia se transformou em uma paixão inesperada. Eu passava horas ao piano, deixando que as melodias traduzissem o que as palavras não conseguiam. A arte sempre teve um lugar especial na minha vida, talvez eu tivesse herdado essa veia artística dela; o desenho também era um refúgio para os dias mais difíceis, como se as linhas e cores pudessem me conectar um pouco mais com o que eu lembrava da minha mãe. Às vezes, sua ausência doía mais, especialmente em datas comemorativas, quando todas as famílias pareciam tão completas. Nesses dias, eu não conseguia evitar sentir uma pontinha de ciúmes ao ver minha melhor amiga, Lisa, cercada pelo carinho dos pais.

Aos treze anos, meu pai com medo do que pudesse vir a seguir, decidiu que um terapeuta poderia me ajudar a lidar melhor com as emoções. Ele tinha esperanças de que se eu desabafasse, isso me traria algum alívio. Mas o que eu encontrei foram diagnósticos e uma receita controlada para ansiedade e a depressão. Aos catorze anos, eu já tinha decorado o nome de cada comprimido, e cada pílula se tornou um atalho para um sorriso fácil e conversas animadas. Meus dias se passaram em uma névoa de estabilidade forçada, onde a dor parecia mais distante, ainda que nunca totalmente ausente.

E foi no meio dessa tempestade silenciosa que eu descobri um novo sentimento, algo diferente de tudo que eu conhecia: o amor. Ele me encontrou à deriva, entrou sem bater à porta, e preencheu espaços vazios que eu nem sabia que estavam ali.
De repente, ser uma garota sonhadora com energia e magia parecia ter um novo sentido.

Meu nome? Chloé Morey, e essa é a história de como o amor encontrou um lugar no meu mundo.

(***)

[1. 2. 3.]

- Não, espera! Qual é mesmo, a música?

Ele parecia um tanto nervoso.

- Qual gostaria de tentar? - perguntei gentilmente enquanto via seu rosto corar.

- É melhor você tocar primeiro, e eu apenas observar.

- Ok. Mas então, sente-se aqui! - dei um tapinha na banqueta ao meu lado.

Ele coçou a sobrancelha, meio envergonhado, antes de se sentar. Seu nervosismo era contagiante; balançava as pernas incessantemente, enquanto o aroma que exalava era sedutor, em contraste com o olhar inquieto que revelava sua ansiedade. Suas mãos transpirando, ele tentou esconder a tensão, esfregando-as no jeans escuro em um movimento repetitivo, como se buscasse alívio para a inquietação que o dominava.

- Você está nervoso? - Dei um sorrisinho com o canto dos lábios.

- Você... meio que é... intimidante! -  engoliu em seco, a voz hesitante.

Sua fala pausada, carregada de suavidade e hesitação, provocou uma euforia em meu coração. Seus olhos, fixos em mim, eram tão hipnotizantes que roubam minha concentração por um breve instante. Precisei respirei fundo, tentando disfarçar o frio na barriga que invadia meu ser. O silêncio ao nosso redor, por um momento, me fez acreditar que talvez o tempo tivesse parado para nós.

Ele sorriu genuinamente e então fui desperta de meu transe.

- Pronto?

Ele assentiu. Os olhos brilhando.

Toquei as teclas do piano suavemente fazendo emergir um som profundo de cada nota.

- Dó... Ré... Mi... Fá... Só... Lá... Si!

Segurei suas mãos sobre as teclas.

- Agora você. - disse, encorajando ele a repetir o ensaio.

Enquanto a chuva caia incessante lá fora, intensificada pela tempestade, aqui dentro repousava uma calmaria aconchegante.
Nossas risadas misturadas ao barulho da chuva e ao som do piano, construindo uma atmosfera rica em memórias.

Estavamos imersos em nossa curiosidade, e a brincadeira, antes leve e despretensiosa, adquiriu um peso modesto, mas considerável, quando ele acaricou a cicatriz profunda na palma da minha mão direita.

- Ainda dói?

Assenti em silêncio, e um sorriso singelo no meu rosto surgiu em meio às lembranças daquela noite.

A proximidade entre nós, nos cercava não só aqui sentados lado a lado. Ela estava estampada também em cada fragmento compartilhado, era uma espécie de cola natural que estava sempre nos unindo independente das circunstâncias que tentavam nos separar.

Ergui os meus olhos em direção ao seu supercílio, e toquei gentilmente nela com a ponta dos dedos contornando o seu desenho.

- Ainda dói? - perguntei sem desviar o olhar com medo de não resistir, caso ele derramasse sobre mim um grama a mais de sua atenção.

Senti seu respirar sútil, delirante em meu pescoço, embriagado pelo meu perfume.
De modo furtivo ele tentou disfarçar o que já havia percebido.

O silêncio era gritante e me tirou o fôlego.

- Dói mais não conseguir lembrar do que aconteceu entre nós.

Suas palavras perfuraram meu peito como o aço frio de uma lâmina pontiaguda trazendo à tona a dor recolhida.

- Lembre-se do que o médico disse... Hmmm... pode ser passageiro.

Sabia que deveria ser resiliente e solidária, mostrar algum positivismo sobre o futuro naquele momento. E foi exatamente isso que fiz, preenchendo-o com esperanças vazias que eu mesma duvidava, enquanto meu coração despedaçado sangrava por dentro.

Às vezes, me pegava reflexiva, imaginando o que teria sido de nós hoje se não tivéssemos nos esbarrado naquela esquina durante a nevasca?

EU, VOCÊ e o que não dizemos!Onde histórias criam vida. Descubra agora