Eu sempre tive essa impressão de que os maiores desastres começam com os menores detalhes. Hoje foi o alarme que não tocou.
“Marcelo, você vai se atrasar pra escola!” Minha mãe gritou do corredor, e eu quase caí da cama. Atordoado, joguei qualquer roupa que encontrei e saí correndo de casa. Nem café da manhã deu tempo de pegar, e minha mochila estava mais desorganizada que meus pensamentos naquele momento.
Cheguei na escola, eu estudava na partícula, só estou aqui graças a bolsa que ganhei, era uma construção de tijolos antigos com amplas janelas altas, cercada por com de árvores que balançavam suavemente com o vento. O som de vozes já preenchia os corredores, e tentei abrir a porta da sala como quem não quer chamar atenção, mas claro, todos já estavam me encarando. Não que eu ligasse muito, mas ser o centro das atenções por causa de atraso não era exatamente meu plano.
“Marcelo, mais uma vez atrasado.” O Sr. Brandão soltou essa com um suspiro cansado, como se já estivesse acostumado. Dei um “foi mal” quase inaudível e fui direto para o fundo da sala, onde poderia, com sorte, passar o resto da aula sem mais olhares.
A sala era grande, tinha aquele cheiro de livros, eu sentia o leve vento do ventilador, que parecia apenas mover o ar quente de um lado para o outro. Enquanto me acomodava, o Sr. Brandão soltou a bomba: “Hoje faremos um trabalho em grupo. Os grupos serão formados por sorteio.”
A sala explodiu em murmúrios. Todos começaram a resmungar, como se isso fosse mudar alguma coisa. Ninguém gostava de sorteios. Eu observava o ambiente, eu não falava muito com ninguém da sala, e pelo que eu vejo esse trabalho parecia um quebra-cabeça que eu não queria montar.
O sorteio começou, e a cada nome que saía, eu sentia o frio no estômago aumentar.
“André Carvalho.”
Claro, tinha que ser o André. Garoto atlético, alto, com corpo atlético, cabelo sempre bem penteado, parecia que ele estava sempre pronto para ser fotografado.
“Em seguida, Maria Vasconcelo.”
Ótimo. A rica esnobe, magra, de cabelo loiros e longo que batia na cintura, ela tratava todos ao seu redor como meros figurantes no seu show. Eu já sabia que quem trabalhasse com ela passaria por um teste de paciência. Seus olhos penetrantes e a postura ereta não deixavam dúvidas de que ela estava no controle.
“Próxima é Ana Elisa Mendonça.”
Olhei para Ana Elisa. Ela estava ali, sorrindo, como sempre. Seu cabelo preto caía suavemente sobre os ombros, e ela parecia serena demais para alguém naquela situação. Embora simpática, sempre achei que havia algo por trás daquele sorriso calmo.
“E, finalmente, Marcelo Theodoro.”
Eu estava preso com André, Maria e Ana Elisa. Aquilo seria um pesadelo. Enquanto o Sr. Brandão explicava o que esperava do trabalho, eu já podia imaginar: André querendo fazer nada, Maria criticando cada ideia, e Ana Elisa tentando mediar a situação. Eu, por outro lado, ia tentar só sobreviver àquilo.
Suspirei, já cansado só de pensar. Eu só queria que esse dia acabasse logo, mas tinha a estranha sensação de que esse sorteio era mais do que apenas azar. Como se, de alguma forma, estivesse sendo jogado em uma armadilha maior do que eu podia ver naquele momento.
Quando o Sr. Brandão nos mandou juntar os grupos para escolher o tema, minha ansiedade só aumentou. A tarefa era simples: escolher uma data importante que marcou o Brasil.
“Por mim, qualquer coisa tá bom”, André disse, esticando-se na cadeira com o mesmo desinteresse de sempre.
Ana Elisa, com a mesma serenidade de sempre, apenas assentiu. “Por mim também.”
Maria, obviamente, não deixaria de se pronunciar. “Acho que poderíamos falar sobre a moda dos anos 70. Foi uma época muito importante. Minha família era dona de grandes empresas de roupas naquela época.”
Eu ri baixinho, mas alto o suficiente para ela ouvir. Maria se virou e me lançou um olhar afiado. “Você tem uma ideia melhor, Marcelo?”
Sem pensar muito, soltei: “E se falássemos sobre o suicídio de Getúlio Vargas?”
O silêncio que seguiu parecia pesado, mas Ana Elisa quebrou o gelo. “Por mim, pode ser.” Ela sorriu como se fosse a escolha mais óbvia do mundo.
André deu de ombros. “É uma boa ideia. Não é, Maria?”
Contrariada, Maria revirou os olhos e assentiu com desdém. “Pode ser” ela disse, como quem cede para evitar uma discussão. Era óbvio que ela não estava nem um pouco satisfeita, mas o que podia fazer?
Elisa levantou a mão e perguntou ao professor: “Qual é o prazo para entregar a atividade?”
Sem nem pensar, o Sr. Brandão respondeu com a calma de quem já sabia que ia ouvir reclamações: “Vocês têm uma semana. E sem discussão sobre o prazo.”
Como eu previ, a reclamação veio de todos os lados.
“Uma semana é muito pouco tempo”, resmungou André, com aquela cara de quem preferia estar em qualquer outro lugar.
Maria foi ainda mais dramática: “Eu não vou ter tempo. A semana toda já está cheia. Tenho horário no salão para fazer as unhas, o cabelo, e ainda preciso ir ao shopping fazer compras.” Tudo isso com a naturalidade de quem fala sobre coisas importantíssimas. Eu só pensei: Ninguém quer saber, Maria.
Elisa, sempre a voz da razão, interveio: “No domingo, acho que estarei disponível.”
André suspirou, meio irritado: “Vou ver se consigo desmarcar meu encontro com a namorada”, disse, como se estivesse fazendo um grande sacrifício.
Eu sinceramente só queria que aquilo acabasse logo. “Por mim, domingo tá ok”, falei, tentando encerrar a conversa o mais rápido possível.
Foi então que Maria, em seu habitual estilo dramático, sugeriu algo que só ela poderia imaginar: “Ótimo, a gente pode fazer o trabalho lá na minha chácara. Meus pais estarão viajando. Depois que a gente terminar o trabalho, podemos tomar um banho de piscina e festejar.”
André, claro, não perdeu tempo: “Boa ideia! Eu vou chamar a namorada.”
Maria quase pulou de felicidade. Colocou seus óculos escuros com um ar de estrela de cinema e já começou a sair da sala, mesmo sem o sinal ter tocado.
“Maria, pra onde você vai? O sinal ainda não tocou”, o Sr. Brandão a chamou, sem esconder o cansaço na voz.
Ela nem se deu ao trabalho de tirar os óculos: “Ah, professor, estou muito ocupada. Tenho negócios importantes para resolver para o fim de semana”, respondeu com um sorriso pretensioso.
E saiu da sala, deixando todos – inclusive o Sr. Brandão – olhando incrédulos. Sério, esse trabalho ia ser um pesadelo maior do que eu imaginava.
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sorte ou azar? Um trabalho mortal
Mystery / ThrillerUm grupo de alunos do 3º ano se reúne na chácara de uma colega para fazer um trabalho escolar. O que parecia ser uma simples atividade se transforma em um pesadelo quando um misterioso assassinato/suicídio ocorre. Isolados, sem comunicação e com o m...