04 - Flores

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Depois de semanas enviando poemas que misturavam minha sombra com a luz que Enid irradiava, percebi que ela estava mais intrigada do que nunca. A cada bilhete, seu olhar carregava uma nova camada de curiosidade. Ela não sabia quem eu era, e isso era intencional. No entanto, havia algo mais, algo que a fazia sorrir sempre que recebia um novo verso.

Mas palavras, embora poderosas, não seriam suficientes para conquistar o coração de Enid Sinclair. Eu sabia que precisaria dar o próximo passo. E, assim como meus poemas, esse passo teria que ser discreto, porém impactante. Foi com esse pensamento, que peguei o caderninho e comecei a escrever na próxima linha:

3. Flores

Parecia contraditório, é claro. Eu, que desprezava qualquer coisa vibrante e cheia de vida, agora estaria enviando flores a alguém. Mas flores são símbolos poderosos, cada uma carregando um significado diferente. E para alguém como Enid, que parecia ser movida por emoções e sentimentos profundos, elas poderiam falar mais do que qualquer palavra.

Eu precisava de algo mais do que flores bonitas. Cada flor seria escolhida meticulosamente, representando um significado oculto que, se Enid prestasse atenção, a levaria a compreender melhor o que eu estava tentando dizer. 

A primeira flor que escolhi foi uma Íris roxa. Simples, mas carregada de um simbolismo profundo. A íris representa sabedoria, respeito e, curiosamente, mensagens secretas. Parecia a escolha perfeita para o início do próximo passo.

Pedi a Thing que deixasse a flor delicadamente sobre a mesa de Enid, logo pela manhã, antes de ela acordar. Quando finalmente a encontrou, sua reação foi exatamente como eu esperava. Ela ficou surpresa, olhando a flor por longos segundos antes de tocá-la com cuidado. Não havia bilhete, apenas a flor.

— Mais um mistério — murmurou para si mesma, enquanto segurava a íris, girando-a entre os dedos.

Eu me mantive em silêncio, observando-a de longe. Sua confusão era palpável, mas algo em seu sorriso dizia que ela gostava desse novo jogo.

Para a segunda semana, escolhi algo que simbolizasse uma mensagem um pouco mais direta. A flor escolhida foi o Narciso Branco, que simboliza novos começos e a ideia de renascimento.

Novamente, deixei a flor na mesa dela, desta vez acompanhada de um pequeno bilhete com um verso simples:

"Na inocência das pétalas brancas,
Encontra-se a promessa de algo novo."

Enid leu o bilhete e sorriu, mas dessa vez seu sorriso foi diferente. Havia algo mais profundo ali, como se ela estivesse começando a perceber que esses gestos não eram aleatórios. Ela olhou em volta, como se esperasse ver alguém observando, mas, claro, eu estava longe o suficiente para passar despercebida.

— Quem está fazendo isso? — ela sussurrou, olhando para a flor em suas mãos. — E por quê?

Yoko, que estava ao seu lado, deu de ombros. — Pode ser algum apaixonado misterioso. Aposto que é o Eugene tentando ser poético.

Enid revirou os olhos, mas sua expressão permaneceu pensativa. — Não sei... isso não parece algo que ele faria. É muito... profundo.

Eu mantive minha expressão inalterada, enquanto ouvia a conversa. Ela estava começando a compreender que essas flores, assim como os poemas, vinham de alguém que a conhecia de verdade. Mas ainda havia um longo caminho até que ela descobrisse quem.

Para a terceira flor, decidi ser um pouco mais ousada. Escolhi uma Rosa Negra. Normalmente associada à morte e ao luto, a rosa negra também representa a resistência e o renascimento em meio às adversidades. Era uma flor que falava da minha própria natureza sombria, e ao mesmo tempo, representava a força que eu via em Enid — mesmo quando ela não percebia.

Deixei a rosa sobre seu travesseiro, sabendo que ela a encontraria assim que acordasse. O impacto foi instantâneo.

— Uau, uma rosa negra... — ela murmurou, pegando a flor com delicadeza. — Isso é... diferente. Um pouco mórbido, mas... intrigante.

Desta vez, não havia bilhete, apenas a flor. Mas a mensagem estava clara para quem soubesse lê-la: eu estava me revelando aos poucos, sem abandonar a minha essência. Mesmo que ainda estivesse nas sombras, cada gesto era calculado para fazê-la entender que não era apenas um admirador qualquer.

Mais tarde, naquele mesmo dia, Enid se virou para mim enquanto se arrumava para as aulas.

— Você já viu alguém mandando rosas negras por aí? — perguntou, casualmente.

— Não que eu me lembre — respondi, sem levantar os olhos do meu livro.

— É estranho, não acha? — ela continuou, como se estivesse falando consigo mesma. — Primeiro os poemas, agora flores...

Eu apenas balancei a cabeça, mantendo meu silêncio habitual. Sabia que não seria descoberta tão cedo. E, na verdade, esse jogo de mistério começava a me agradar. Era fascinante vê-la tão confusa, mas ao mesmo tempo, tão atraída por cada gesto.

A quarta flor precisaria ser a culminação de tudo o que eu havia construído até então. Algo que reunisse todos os significados anteriores e desse a Enid uma pista, ainda que sutil, sobre quem estava por trás de tudo. A flor escolhida foi uma Tulipa Roxa, símbolo de lealdade e admiração. Era uma escolha que carregava um peso emocional maior, sem perder a sofisticação que vinha com o mistério.

Desta vez, deixei a flor junto a um bilhete curto:

"Na simplicidade de um gesto,
Escondem-se as verdades mais profundas."

Enid encontrou a tulipa e o bilhete na mesma noite. Ela leu as palavras com mais atenção do que antes, e por um momento, pensei que ela começaria a perceber. Seus olhos vasculhavam o quarto, como se esperasse que, de alguma forma, eu me revelasse naquele instante. Mas eu não me moveria. Não ainda.

— Esse alguém me conhece... — ela murmurou, segurando a flor com cuidado. — Mas... quem poderia ser?

Eu a observei de longe, satisfeita com o rumo que as coisas estavam tomando. Enid estava cada vez mais envolvida no mistério, e a distância entre nós parecia diminuir a cada gesto. Ainda havia muito para ser feito, mas o plano estava funcionando perfeitamente.

A cada flor que eu enviava, o vínculo silencioso entre nós crescia. Enid estava mais envolvida emocionalmente, sua curiosidade misturada com uma admiração crescente pelo desconhecido que a cercava. Eu sabia que, eventualmente, ela descobriria. Mas, por enquanto, meu lugar ainda era observar como tudo florescia lentamente.

Os capítulos são programados para serem lançados em horários diferentes!

Hey, Sinclair. | WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora