07 - Sentimentos

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Eu estava sentada à minha mesa, calculando meu próximo movimento. O plano estava quase completo — os presentes, as cartas, as flores, tudo havia sido meticulosamente planejado. Sabia que estava me aproximando do limite, onde as sombras já não poderiam esconder meus sentimentos por muito mais tempo. A revelação estava cada vez mais próxima, e isso me deixava inquieta, mesmo que eu não quisesse admitir.

Estava prestes a decidir qual seria o meu próximo passo quando fui interrompida por uma voz suave e familiar.

— Wednesday? — Enid me chamou, sua voz carregada de algo mais profundo do que o habitual entusiasmo. Havia uma suavidade e uma hesitação que raramente percebi nela.

Levantei os olhos do caderno lentamente, encontrando os dela. Enid estava sentada na beira da cama, com um sorriso suave e nervoso. Eu sabia que algo estava acontecendo, algo diferente.

— Pode se sentar aqui comigo? — ela perguntou, apontando para o espaço ao lado dela.

Meu primeiro instinto foi recusar. O caos de cores e pelúcias que sempre envolvia Enid era algo que eu naturalmente evitava. Mas, para minha surpresa, ela afastou os cobertores e os ursinhos de pelúcia com cuidado, criando um espaço limpo, sem as cores vibrantes que sempre me incomodavam.

— Eu sei que você não gosta dessas coisas coloridas — disse ela, com um sorriso compreensivo. — Mas achei que seria melhor assim.

Encarei a cena por um momento, ponderando. Algo em mim sabia que esse momento era importante. Então, sem dizer uma palavra, levantei-me e caminhei até a cama, sentando-me ao lado dela. O silêncio entre nós era denso.

— Wednesday... — Enid começou, seus olhos focados em algum ponto no chão, evitando o meu olhar. — Eu tenho pensado muito... sobre algumas coisas.

Esperei, sem dizer nada. Sabia que ela estava reunindo coragem para continuar, e eu, apesar de tudo, estava curiosa. Podia sentir o peso de suas palavras não ditas, o dilema que estava prestes a se desenrolar.

— Sabe... há algumas semanas, comecei a receber... — ela hesitou, mas continuou, agora me olhando diretamente. — Presentes, flores, poemas, cartas. E, no início, eu realmente não fazia ideia de quem poderia ser. Achei que era alguém que queria me deixar curiosa, mas com o tempo, percebi que essa pessoa... — Ela deu uma pausa e sorriu suavemente. — Que essa pessoa me conhecia melhor do que qualquer outra.

Permaneci impassível, mas meu coração acelerava imperceptivelmente. Sabia exatamente o que estava por vir.

— E hoje... quando eu estava lendo a última carta — continuou ela, sua voz suave, mas firme —, eu percebi algo. Ou, melhor, confirmei o que já estava suspeitando. Essa pessoa, 'A', não é alguém distante. Na verdade, está mais perto de mim do que eu jamais imaginei.

Enid virou-se completamente para mim agora, e seus olhos procuravam os meus, intensos, mas gentis.

— Você sabia que eu acabaria descobrindo, não sabia? — ela perguntou, com um pequeno sorriso de compreensão.

Eu me mantive em silêncio por um momento, avaliando minhas opções. Poderia mentir, continuar o jogo, mas algo em mim sabia que o fim havia chegado. Não havia mais necessidade de esconder.

— Sempre soube que você era mais esperta do que aparentava — respondi, minha voz fria, mas suave. — Sim, Enid. Sou eu.

Ela não pareceu surpresa, e pela primeira vez, vi um alívio em seus olhos. Como se, finalmente, tudo estivesse se encaixando para ela.

— Sabia que ninguém mais conseguiria expressar as coisas daquela forma — disse ela, sua voz baixa, quase um sussurro. — Tão intensa, mas tão distante ao mesmo tempo. Eu só não queria admitir para mim mesma que você poderia... sentir algo assim.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Finalmente, ela sabia a verdade. E o que aconteceria a seguir era incerto.

— Então... — ela continuou, com um sorriso gentil, mas nervoso. — Tudo o que você escreveu nas cartas... sobre como é estar perto de mim, mas ao mesmo tempo tão longe... é verdade?

Assenti lentamente, mantendo meus olhos fixos nos dela. — Cada palavra.

Enid suspirou, uma mistura de alívio e algo mais que eu não conseguia identificar. Ela estendeu a mão, hesitante, e a colocou levemente sobre a minha. O gesto, por mais simples que fosse, fez com que algo dentro de mim se agitasse de uma forma que eu nunca havia sentido antes.

— Wednesday... — ela disse, sua voz ainda baixa, mas agora cheia de uma emoção que ela não conseguia esconder. — Acho que você nunca percebeu, mas eu sempre me senti atraída por você. Mesmo quando éramos completamente diferentes, quando nossas personalidades se chocavam, havia algo em você que sempre me fez querer estar por perto.

A confissão pairou no ar, densa e carregada de significados. Algo em mim, que sempre foi impenetrável, começou a desmoronar. Não era fácil para mim lidar com sentimentos, muito menos admitir algo assim, mas Enid, estava conseguindo quebrar as barreiras que eu sempre ergui.

— Então... você sente o mesmo? — perguntei, com uma voz que mal reconheci como minha. Vulnerável. Enid sorriu, dessa vez com uma ternura que eu nunca tinha visto antes.

— Sim, Wednesday. Eu sinto o mesmo. Sempre senti. Só... não sabia que você poderia sentir isso também.

O espaço entre nós parecia diminuir, como se, finalmente, o abismo entre luz e escuridão estivesse sendo preenchido. Enid olhou para mim por um longo momento, seu sorriso suave, e então, lentamente, ela se inclinou. Senti meu corpo reagir de forma instintiva, e, antes que pudesse pensar, nossos lábios se tocaram.

Foi um beijo suave, mas carregado de tudo o que havíamos reprimido por tanto tempo. Eu, que sempre rejeitei o sentimentalismo e os gestos românticos, me vi rendida a um momento que, de alguma forma, era inevitável.

Quando nos afastamos, o silêncio voltou a nos envolver, mas dessa vez, era um silêncio confortável. Enid sorria, e eu, pela primeira vez, me permiti um pequeno sorriso também. Não havia mais mistério, não havia mais segredos. O jogo que eu havia iniciado nas sombras finalmente havia chegado ao fim, mas, ao contrário do que eu esperava, não havia desespero. Havia alívio. Havia algo mais.

— Acho que nossas diferenças não são tão grandes assim — murmurou Enid, brincando levemente com a manga da minha camisa.

— Talvez não — respondi, minha voz mais suave do que nunca.

O que aconteceria a seguir, eu não sabia. Mas, pela primeira vez, a incerteza não parecia tão ameaçadora.

Hey, Sinclair. | WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora