08 - Encontros

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Depois daquele beijo, algo mudou entre mim e Enid. Não era uma mudança abrupta, mas algo suave, natural, como se finalmente aceitássemos o que sempre esteve presente. As sombras que antes nos separavam agora pareciam nos aproximar. Enid já não queria cartas ou presentes anônimos — ela queria me conhecer verdadeiramente, não mais como "A", mas como Wednesday Addams.

E por mais que eu estivesse acostumada a me esconder por trás de palavras enigmáticas e gestos calculados, percebi que estava pronta. Pronta para deixá-la ver além da superfície fria que todos conheciam. Isso era novo para mim, desconhecido. Mas, surpreendentemente, não era algo que eu temesse.

Certo dia, enquanto estávamos no quarto, Enid me fez uma pergunta simples, mas carregada de significado.

— Agora que eu sei quem você é, Wed, eu... quero te conhecer melhor. Não mais pelas cartas ou pelos presentes, mas... como você. Você me mostraria o seu mundo?

Eu a olhei por um momento, ponderando. Ela queria entrar em meu mundo, algo que poucas pessoas ousavam. Um mundo onde o silêncio era um refúgio e a escuridão era reconfortante. Mas havia algo em sua expressão, uma mistura de empolgação e vulnerabilidade, que me fez ceder.

— Está bem — respondi calmamente. — Mas você tem que estar preparada para entrar em lugares que talvez nunca imaginou.

O sorriso de Enid se abriu, e eu, pela segunda vez, não consegui suprimir um pequeno sorriso meu também. Ela estava entrando nas sombras, mas estava trazendo a sua luz.

Nosso primeiro "encontro" foi na cafeteria da cidade, um lugar simples, mas cheio de energia e barulho. Enid adorava o ambiente vibrante, o cheiro de café recém-moído e o som abafado das conversas ao redor. Eu, por outro lado, preferia o silêncio e a calma. Mesmo assim, havia algo naquele momento que fez tudo parecer... suportável.

Enid, sentada à minha frente, segurava sua xícara de chocolate quente com um sorriso radiante. Eu, com meu café preto sem açúcar, observava cada detalhe. Seus olhos brilhavam ao falar sobre coisas cotidianas, pequenas histórias que normalmente eu ignoraria, mas que agora me faziam prestar atenção.

— Então, você realmente não gosta de café com açúcar? — ela perguntou, ainda rindo um pouco.

— Não vejo sentido em adoçar algo que foi feito para ser amargo — respondi, tomando um gole.

Ela apenas balançou a cabeça, ainda sorrindo. — Isso soa exatamente como você.

Nossas conversas eram simples, mas havia algo mais profundo acontecendo. Cada olhar, cada sorriso, parecia nos atrair mais. Como dois campos magnéticos que, inevitavelmente, se aproximam.

Nosso segundo encontro foi um tanto quanto... inusitado. Enid me levou ao shopping, um lugar que eu normalmente evitaria. As luzes brilhantes, as cores exageradas, e o som incessante das pessoas me cansavam. Mas, por algum motivo, estar ao lado dela tornava a experiência menos insuportável.

Enid me arrastou por diversas lojas, rindo e escolhendo roupas vibrantes, enquanto eu mantinha minha expressão impassível. A certa altura, ela pegou um suéter roxo e olhou para mim com uma expressão travessa.

— E se você experimentasse algo um pouco mais... colorido? — sugeriu ela.

Olhei para o suéter e depois para ela, levantando uma sobrancelha. — Prefiro manter meu estilo tradicional.

Ela riu, balançando a cabeça. — Sabia que diria isso. Mas foi divertido imaginar.

Apesar do ambiente caótico, aquele dia no shopping teve seus momentos. Enid, sempre radiante, trazia um equilíbrio estranho para o meu silêncio. Ela era uma explosão de cores, e eu, uma sombra constante ao seu lado. De alguma forma, funcionava.

Nosso terceiro encontro foi mais tranquilo. Levei Enid a um lago isolado, cercado por uma floresta. O lugar era calmo, com a água escura refletindo o céu nublado. Para mim, era o cenário perfeito. O silêncio, a natureza crua ao redor, a solidão que sempre achei reconfortante.

Enid, surpreendentemente, adorou o lugar. Ela sentou-se à beira do lago, olhando para a água com um sorriso suave.

— Imaginei que você gostasse de lugares assim — disse ela, quebrando o silêncio. — É tão calmo... e bonito.

Sentei-me ao seu lado, observando o reflexo das árvores na água. — O silêncio é... reconfortante. Aqui, não há distrações. É apenas você e o mundo ao seu redor.

Enid me olhou, seus olhos cheios de algo mais profundo. — E agora, somos apenas nós duas.

Houve um longo momento de silêncio, mas dessa vez, não era incômodo. Era confortável. Nossas mãos se tocaram, e, sem dizer uma palavra, senti que estávamos nos aproximando mais do que nunca. Como dois polos que finalmente se alinham.

Levei Enid à floresta densa que cercava àrea de Nevermore. Aquele lugar sempre foi um refúgio para mim, um lugar onde eu podia caminhar sozinha, longe de olhares curiosos. Enid, por outro lado, nunca havia explorado a floresta daquele jeito, e parecia encantada.

— Como você consegue achar beleza aqui? — perguntou ela, enquanto passávamos por árvores altas e antigas.

— A beleza está no caos — respondi. — A natureza não segue regras rígidas. Ela simplesmente é. Assim como eu.

Enid riu levemente. — Isso faz sentido. Acho que, de certa forma, somos como essas árvores. Diferentes, mas juntas aqui.

Andamos em silêncio por um tempo, até que Enid parou e olhou para mim.

— Você sempre me surpreende, Wednesday. Eu sei que você gosta do silêncio, mas... eu adoro estar ao seu lado. — Ela sorriu, aquele sorriso leve que fazia algo se agitar dentro de mim.

Eu não disse nada, mas dei um pequeno passo mais perto dela, nossos ombros se tocando. Não precisava de palavras para expressar o que sentia.

Nosso último encontro foi no meu lugar preferido: o cemitério da cidade. Para muitos, era um lugar sombrio, associado à morte e ao fim. Para mim, era um lugar de paz, um lembrete constante da finitude da vida e da tranquilidade que vem depois.

Enid caminhou entre as lápides, mas, para minha surpresa, não estava desconfortável. Pelo contrário, parecia estar em paz ali, ao meu lado.

— Nunca pensei que um cemitério pudesse ser tão... tranquilo. — ela disse, olhando ao redor.

— É um lugar onde o silêncio reina. — respondi. — E onde a vida finalmente encontra sua verdadeira forma: no fim.

Ela me olhou, dessa vez com uma ternura que me desarmou. — Acho que eu nunca me importaria com o lugar, contanto que estivesse ao seu lado.

Suas palavras foram diretas, sem rodeios, e senti algo profundo se agitar dentro de mim. Ela não tinha medo das minhas sombras, das minhas peculiaridades. E, de alguma forma, isso fazia com que o cemitério, normalmente meu refúgio solitário, agora parecesse um lugar compartilhado, uma conexão entre nós.

E foi ali, entre lápides antigas e sombras, que nos beijamos novamente, mais intensamente, como se o espaço ao nosso redor desaparecesse. Era o encontro de dois mundos — o dela e o meu. E, de algum modo inexplicável, esses mundos colidiam e se atraíam como dois campos magnéticos, inevitavelmente unidos.

Nossos encontros não eram comuns, assim como nós. Cada lugar que visitávamos, seja uma cafeteria barulhenta ou um cemitério silencioso, nos aproximava mais. Era como se estivéssemos em uma dança, onde as diferenças entre nós só serviam para fortalecer o vínculo.

Hey, Sinclair. | WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora