Amnésia

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DULCE MARIA SAVIÑON

Dias atuais

Talvez a quantidade de golpes que já levei na cabeça esteja me enlouquecendo, mas não consigo deixar de pensar sobre a possibilidade do relógio me odiar.

Nas semanas em que estive disfarçada, em Paris, o tempo parecia se arrastar, adiando cada vez mais minha volta para casa e consequentemente para Christopher. Porém, desde quando ele me contou sobre a missão, o relógio tem corrido a uma velocidade assustadora.

Depois da prisão de Viktor, logo após Christopher ter fechado a porta do carro na mão de Ivan, punindo-o pela marca que ficou em meu braço, nós voltamos para casa e passamos o resto do dia juntos.

Nós transamos, conversamos e nos provocamos na grande maioria do tempo, mas, às vezes, apenas ficamos em silêncio, enrolados um no outro.

Nesses momentos, quando nossa respiração mal é ouvida, há uma expectativa pesando no ar. Como se tanto eu quanto Christopher esperássemos que algo fosse dito.

Nunca acontece.

Geralmente o silêncio é quebrado pelos sons de nossos corpos se chocando, como se através do contato físico pudéssemos expressar melhor o que nossas bocas não conseguem.

E conhecer Luís tão bem faz com que eu veja que é o mesmo pra ele.

Mas, além disso, as coisas na sede mudaram também.

Carl está de volta e agora usa uma bengala, tanto para ajudar a apoiar o corpo durante a movimentação quanto para acertar a canela de Alfonso que felizmente tem mostrado melhora, principalmente no combate corpo a corpo.

Ainda é muito fácil acertá-lo, mas ele, pelo menos, dá um pouco mais de trabalho antes de ser jogado no chão.

Zade e Bruce, os outros dois agentes supervisores, estão de volta.

E tudo está tranquilo.

Exceto por mim que, a cada dia que vejo quão perto estou de ficar sem Christopher, me sinto mais...bagunçada.

Apesar de fazer de tudo para ignorar meus instintos que continuam pedindo pra que eu não o deixe ir, não consigo deixar de me preocupar, principalmente com o nível de sigilo da missão.

Por ser algo autorizado por Dominic, nem mesmo Luís sabe do que se trata, já que o dossiê será entregue apenas após o início da operação. A única coisa que sabemos é a duração e o destino. Um ano. Na África.

A falta de informações me deixa mais preocupada, por isso, tendo usado meus meios para espairecer. E um desses meios é o de agora.

Não coloco toda minha força no golpe porque não quero machuca-lo, mas chuto o abdômen de Josh, empurrando-o pra longe, antes de me abaixar e chutar o pé de Alfonso, derrubando-o.

O suor escorre pelo meu rosto, pescoço, costas e abdômen, as gotas chegando até o cós da calça preta do uniforme da Orion e, mesmo que eu esteja cada vez mais cansada da intensidade dos movimentos, não penso em parar porque espero que o desgaste físico consiga empurrar meu medo para algum lugar onde eu não o sinta.

Alfonso, jogado no chão, balança a cabeça ofegante.

­– Chega. Eu quero ir embora. Eu não recebo bem o suficiente pra apanhar tanto – resmunga e recusa a mão que lhe estendo, se mantendo sentado sobre o tatame, a pele vermelha, respiração entrecortada e o cenho franzido.