Sol a pino, suor no quengo, e ele ia rapando os chinelos nos paralelepípedos. Com pernas tortas de garça, a sombra do moleque balançava num tonteado lá-e-cá enquanto o serzinho — da pele castanha, dos cachos ouriçados, dos ombros envergados — passeava os olhos pelas molduras que os fios pendurados dos postes na rua criavam pros muros de cimento e telhados de cerâmica dos casebres coloridos. Uma sacola de plástico — daquelas verdes de supermercado, ecologicamente corretas — balançava de seus dedos franzinos; um pêndulo, um ponteiro de relógio.
Crônica do sábado preguiçoso. Um cachorro deitado na sarjeta observava sem atenção, meneando os olhos, sonolento, patas esparramadas nos ladrilhos, um bocejo escapando da bocarra cheia de dentes amarelos. Os carros, levando gente cansada pra passear na cidade, passavam com pressa, pneu rapando no asfalto, o sol nas vidraças e caretas.
O garoto passou pela faixa de pedestre e olhou para cima. Os olhos cruzaram com a loja, a mais próxima de casa, a tal Fabrício's Peças e Ferramentas, um prediozinho cinza no final da rua, depois do sinal de trânsito. O plotter desbotado era decorado com um letreiro de letras garrafais e com a foto de um gringo — dono de um assustador sorriso de orelha a orelha — metido num macacão azul desbotado e apontando com o dedo em riste para três enormes números de telefone.
Os chinelos de Cássio passaram pela porta aberta e o tique-taque, um reco-reco, se juntou ao barulho das pás de um ventilador rodando em cima do balcão, o balcão abegeado de poeira branca. Uma moça, que podia ser um ano mais velha, ou um ano mais nova, tava sentada na cadeira, as pernas pra cima e os olhos passando por uma revista de quadrinhos, atrás de lentes redondas. O cabelo longo dela saía de um boné surrado, era preto do preto mais preto e reto como uma cachoeira de réguas estiradas.
Tenória lia uma edição velha do Capitão Cabum, mas Cássio, que não conhecia o Capitão Cabum, pensou que era uma revistinha do Protetor Estelar.
— É... B-boa tarde. — A voz dele ainda era esganiçada, sem se decidir se era de garoto ou de homem, diferente da do Capitão Cabum.
Os olhos da Tenória saíram das páginas amareladas e encontraram as írises castanhas do moleque, que desceram para os chinelos nos pés miúdos.
— Tarde. — Já ela tinha uma voz que era toda de garoto.
Ficaram no silêncio uns dois segundos, só no barulho das pás do ventilador.
— Éeee... A minha mãe, ela pediu pra eu comprar uma resistência... pro chuveiro dela — Cássio disse, colocando a sacola em cima do balcão.
Tenória colocou os pés no chão.
— Que chuveiro que é?
Cássio deu com os ombros.
— O... dela, ué.
Ela revirou os olhos.
— Quis dizer, que modelo que é?
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A Ducha no Fim do Sábado
Short StoryNuma tarde de sábado, Cássio é incumbido de comprar uma nova resistência para o chuveiro elétrico de sua mãe. No caminho, conhece uma menina e, com ela, investiga o mistério de um cadáver jogado na sarjeta da rua no pequeno bairro onde moram. O que...