O fato de o relógio do fogão estar piscando, oito horas adiantado, não ajudava. Se eu ainda morasse lá, essa seria mais uma coisa que eu teria consertado.
Se ainda morasse lá, as cortinas estariam abertas. As bancadas da cozinha não estariam cobertas de pratos sujos. Não haveria uma maçaneta faltando, uma grama malcuidada, dias de jornais empapados um em cima do outro. Foi naquele momento que percebi que, durante todos aqueles anos em que eu crescia, fui eu que cuidei da casa.
Aquilo me deu esperança - esperança de que talvez eles tivessem percebido que minha presença era boa, não inconveniente, e assim eles me deixariam voltar a morar lá até terminar o ensino médio.
Vi uma maçaneta nova na mesa da cozinha, então a peguei e dei uma olhada. A nota fiscal estava embaixo. Olhei a data na nota, e fazia mais de duas semanas que ela tinha sido comprada.
A maçaneta encaixava bem na porta da frente. Não sei por que Tim não a instalara se já estava com ela havia duas semanas, então achei as ferramentas numa gaveta da cozinha e abri a embalagem. Minha mãe demorou vários minutos para sair do quarto, mas, quando saiu, eu já tinha colocado a maçaneta nova na porta.
Ela perguntou o que eu estava fazendo, então girei a maçaneta e abri a porta um pouquinho para lhe mostrar que estava funcionando.
Nunca vou me esquecer da sua reação. Ela bufou e disse:
- Por que ainda faz essas merdas, hein? É como se você quisesse que ele te odiasse. - Ela agarrou a chave de fenda da minha mão. - Talvez seja melhor dar o fora antes que ele perceba que você esteve aqui.
Um dos motivos de sempre bater de frente com as pessoas daquela casa era por sempre achar as reações deles inadequadas. Quando eu ajudava a cuidar da casa sem que me pedissem, Tim dizia que era porque eu queria provocá-lo. Quando não ajudava, ele dizia que era porque eu era preguiçoso e ingrato.
Não foi para chateá-lo - respondi. - Consertei sua maçaneta. Estava apenas tentando ajudar.
Ele ia consertar assim que tivesse tempo.
Parte do problema de Tim era que ele sempre tinha tempo. Nunca conseguia manter um emprego por mais de seis meses e passava mais tempo apostando do que com minha mãe.
Ele arranjou emprego? - Lembro que perguntei. -Está procurando.
-E é isso que ele está fazendo agora?
Pela expressão dela, vi que Tim não estava atrás de emprego nenhum. Onde quer que ele estivesse, tenho certeza de que estava deixando minha mãe ainda mais endividada. É provável que a dívida dela tenha sido a gota final que me fez ser expulso de casa em primeiro lugar. Quando encontrei uma pilha de faturas de cartão de crédito no nome dela, vencidas e com os limites todos estourados, eu o havia confrontado.
Tim não gostava de ser confrontado. Preferia a minha versão pré-adolescente ao quase adulto que eu me tornara. Gostava da minha versão que ele podia empurrar sem ser empurrado de volta. Da minha versão que ele podia manipular sem que eu reclamasse.
Aquela minha versão desapareceu entre os meus quinze e dezesseis. Quando Tim percebeu que não podia mais me ameaçar fisicamente, ele tentou arruinar minha vida de outras maneiras, e uma delas foi me deixando sem ter onde morar.
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É assim que começa
RomanceLily e Ryle acabaram de chegar a um acordo civil para a guarda conjunta da filha, Emerson, quando Lily repentinamente esbarra em Atlas, quase dois anos após terem se falado pela última vez. Feliz que o timing finalmente parece estar favorável para q...