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DULCE MARIA SAVIÑON
Dias atuaisChuto cada vez mais forte, o estalo alto da minha perna atingindo o aparador ecoa pelo centro de treinamento e eu só interrompo os golpes quando Herrera dá um passo pra trás, saindo do meu alcance.
– Preciso de uma pausa – avisa, o rosto vermelho e cabelo suado grudando na testa.
– Nem tá fazendo nada. Eu que tô golpeando.
– Exatamente. Sabe a força que você tem? – pergunta retoricamente e atira o aparador para longe, antes de se jogar no tatame, abrindo os braços e as pernas de maneira dramática. – Aposto que foi por isso que Link viajou de última hora. Não aguentava mais brincar de saco de pancada.
Cruzo os braços e o encaro, mas não tenho tempo de responder nada, antes que a porta atrás de mim seja aberta e eu me vire para olhar para Carl, um alarme soando em minha mente assim que o vejo aqui.
Ele odeia vir até o centro de treinamento porque reclama do cheiro de suor. Costuma dizer que o lembra da época em que era um mísero agente de campo e se fodia, diferente de hoje, que é o diretor da sede.
Se ele está aqui, há algo errado.
– Um minuto? – pede, cauteloso.
Até mesmo Herrera, que tem a percepção de uma batata, se senta curioso.
– Aconteceu alguma coisa? – pergunto, preocupada com a tensão nítida que exala dele, enquanto caminho até onde meu coldre está, prendendo-o na cintura.
Algo que faz com que eu seja tão boa em campo é a facilidade que tenho para analisar as emoções das pessoas. E, nesse segundo, como se Carl fosse um livro ilustrado, consigo ler cada uma das que passam pelo rosto do homem que há seis anos me recrutou.
Medo.
Dor.
Raiva.
Preocupação.
Luto.
– Carl, o que aconteceu? – Meu próprio corpo se retesa, meus ombros se tensionam e minha garganta se aperta.
Um único nome gira em minha mente.
Christopher.
Desde o meu aniversário, não tenho notícias sobre ele, Josh ou Will. E ao mesmo tempo em que isso me incomoda, também me deixa tranquila, afinal, eu saberia se algo acontecesse com meu parceiro, certo?
– Vem comigo, Dulce Maria – manda e abre a porta, indicando que eu saia para o corredor. – E Alfonso... vá ficar com Maite e Christian.
Desde quando Luís saiu em missão, meus últimos meses têm sido gastos com o treinamento de Herrera e isso nos aproximou, assim como me aproximou de Lincon quando cheguei aqui.
Alfonso e sua inexperiência com tudo relacionado a agência me incomoda, mas ele é uma boa pessoa e todos nós sabemos, por isso, mesmo que eu tenha vontade de socar seu rosto algumas vezes, não posso negar que aprendi a considerá-lo um amigo.
Nossa cumplicidade faz com que troquemos um olhar preocupado, como se mostrássemos um ao outro que sabemos que há algo errado.
– Agora! – Carl ruge e o desespero pinga da palavra alta, nos colocando em movimento.
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Amnésia
RomanceDizem que o amor é tranquilo e sereno, mas o que sinto por Maria é o oposto. Existem amores suaves, mas o nosso jamais foi assim. Conheci Dulce Maria há oito anos, e desde o início, tudo foi caos. O caos mais envolvente que já vivi, ao lado dessa m...