Preciso de um instante para me recompor antes de ficar perto da minha filha, então me sento no corredor para chorar. Gosto de chorar sozinha. Acontece com certa regularidade, infelizmente, mas tenho me sentido sobrecarregada com frequência. O divórcio é cansativo, ser mãe solo é cansativo, cuidar de um negócio é cansativo, lidar com um ex-marido que ainda me assusta é cansativo.
E também há a pontada de medo que se infiltra na minha consciência quando Ryle diz algo para insinuar que nosso di- vórcio foi um erro. Porque às vezes eu realmente me pergunto se minha vida não seria menos cansativa se eu tivesse um marido que ajudasse na criação da nossa filha. E às vezes me pergunto se não estou exagerando ao não deixar minha filha dormir na casa do pai. Relacionamentos e acordos de guarda compartilhada não vêm com manuais, infelizmente.
Não sei se cada atitude que tomo é a correta, mas estou fazendo o melhor que posso. Não preciso da manipulação dele, muito menos do seu gaslighting.
Queria estar em casa, onde poderia ir até meu porta-joias pegar minha lista de motivos. Eu deveria tirar uma foto para tê-la sempre no celular. Com certeza subestimo o quanto as interações com Ryle podem ser difíceis e confusas.
Como as pessoas largam esses ciclos quando não têm os recursos que tive nem o apoio dos amigos e da família? Como elas se mantêm fortes em todos os segundos do dia? Me parece que basta um momento de fraqueza, de insegurança, na presença do ex para a pessoa se convencer de que tomou a decisão errada.
Toda pessoa que já deixou um cônjuge manipulador e abusivo e conseguiu se manter longe dele merece uma medalha. Uma estátua. Um filme de super-herói, cacete.
É óbvio para mim que a sociedade tem idolatrado os heróis errados esse tempo todo, pois estou convencida de que erguer um prédio nos braços requer menos força do que abandonar de vez uma situação abusiva.
Ainda estou chorando alguns minutos depois quando ouço a porta de Allysa se abrir. Olho para cima e vejo Marshall saindo do apartamento com dois sacos de lixo. Ele para ao me ver sentada no chão.
Ah.
Ele olha para os lados, como se esperasse que outra pessoa viesse me ajudar. Não que eu precise de ajuda. Eu precisava de um respiro, só isso.
Marshall deixa os sacos no chão e se aproxima. Ele se senta na minha frente e estende as pernas. Coça o joelho desconfortavelmente.
-Não sei bem o que dizer. Não sou muito bom nisso.
Seu constrangimento me faz rir no meio das lágrimas. Ergo a mão, frustrada.
- Eu estou bem. É que às vezes preciso chorar depois de uma briga com Ryle, só isso.
Marshall dobra a perna como se estivesse prestes a se levantar e ir atrás de Ryle.
-Ele te machucou?
Não. Não, ele estava relativamente calmo. Marshall relaxa e se acomoda de novo, e não sei o porquê, talvez seja por ele ter dado o azar de estar na minha frente agora, mas lhe conto tudo que estou pensando.
- Acho que o problema é justamente esse. Desta vez ele tinha mesmo o direito de estar irritado comigo e se manteve relativamente calmo. Às vezes a gente se desentende e não acontece nada além de uma discussão. E quando isso ocorre, eu começo a me perguntar se não foi um exagero pedir o divórcio. Quer dizer, sei que não foi exagero. Sei que não foi. Mas ele sabe plantar as sementinhas da dúvida em mim, como se talvez as coisas pudessem ter melhorado se eu tivesse apenas lhe dado mais tempo para melhorar. Eu me sinto mal por estar despejando tudo isso em Marshall. Não é justo com ele. Ryle é seu melhor amigo. - Desculpe. Isso não é problema seu.
Allysa me traiu.
As palavras de Marshall me deixam tão perplexa que fico calada por uns cinco segundos.
O... o quê?
Faz muito tempo. A gente conseguiu se resolver, mas, cacete, doeu pra caramba. Ela partiu meu coração.
Estou balançando a cabeça, tentando assimilar a informa- ção. Ele continua falando, contudo, então tento acompanhar.
Não estávamos num momento bom. Estudávamos em universidades diferentes, tentamos fazer o relacionamento à distância dar certo, e éramos jovens. E nem foi nada de mais. Ela bebeu e pegou um cara qualquer numa festa antes de lembrar o quanto eu sou maravilhoso. Mas quando ela me contou... Nunca senti tanta raiva na vida. Nada jamais me ferira daquele jeito. Quis retaliar, quis traí-la para ela saber como era, quis furar seus pneus e gastar todo o limite dos seus cartões de crédito e queimar todas as suas roupas. Mas, por mais que eu estivesse furioso, quando ela estava na minha frente, eu jamais, nem por um segundo, pensei em machucá-la fisicamente. Na verdade, eu só queria abraçá-la e chorar no ombro dela.
Marshall me olha com sinceridade.
-Quando penso em Ryle te batendo... sinto uma raiva absurda. Porque amo o cara. Amo mesmo. Ele é meu melhor amigo desde que éramos crianças. Mas também o odeio por ele não ser uma pessoa melhor. Nada do que você fez e nada do que você poderia fazer justificaria um homem pôr as mãos em você por raiva. Lembre-se disso, Lily. Você tomou a decisão certa ao sair daquela situação. E jamais deveria se sentir culpada por isso. Tudo o que você deveria sentir é orgulho.
Eu não fazia ideia do quanto isso estava pesando em mim, mas as palavras de Marshall tiram um fardo tão grande de cima de mim que senti como se pudesse voar.
Acho que essas palavras não seriam tão importantes se tivessem vindo de outra pessoa. Receber essa validação de alguém que ama Ryle como a um irmão tem algo de reafirmador. De empoderador.
-Você está errado, Marshall. Você é bom pra cacete nisso.
Marshall sorri e me ajuda a levantar. Ele pega os sacos de lixo, e eu volto para o apartamento deles para ir até a minha filha e lhe dar um baita abraço.
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É assim que começa
Любовные романыLily e Ryle acabaram de chegar a um acordo civil para a guarda conjunta da filha, Emerson, quando Lily repentinamente esbarra em Atlas, quase dois anos após terem se falado pela última vez. Feliz que o timing finalmente parece estar favorável para q...