15-2. Atlas

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Ninguém queria me dizer onde ele estava ou se estava bem. Meu pai nem foi preso pelo que fez. Espalharam a notícia de que Atlas estava naquela casa antiga, sem ter onde morar. Meu pai foi venerado pelo ato heroico, por ter salvado a filhinha do mendigo que a manipulou para que transasse com ele.

Meu pai disse que eu tinha envergonhado a família, dando motivos para a cidade inteira fofocar. E vou te contar, até hoje falam sobre isso. Hoje de manhã escutei Katie dizer a alguém no ônibus que tentou me alertar so- bre Atlas. Disse que sabia que ele era uma má influência desde o momento em que o viu. Mas isso é mentira. Se Atlas estivesse no ônibus comigo, eu provavelmente teria ficado de boca calada e agido com maturidade, como ele tentou me ensinar. Em vez disso, fiquei com tanta raiva que me virei e mandei Katie ir para o inferno. Disse que Atlas era um ser humano melhor do que ela jamais seria, e que, se eu a escutasse falar mal dele de novo, ela ia se arrepender.

Ela apenas revirou os olhos e disse:

-Meu Deus, Lily. Ele fez lavagem cerebral em você, foi? Era um mendigo sujo e ladrão, que provavelmente usava drogas. Ele te usou porque queria comida e sexo, e agora você o está defendendo?

Ela teve sorte de o ônibus chegar à minha casa bem naquele instante. Peguei minha mochila, saí do ônibus, entrei em casa e passei três horas chorando no quarto. Agora minha cabeça está doendo, mas eu sabia que só ficaria melhor se finalmente colocasse tudo para fora aqui no diário. Já faz seis meses que evito escrever esta carta.


Sem querer ofender, Ellen, mas minha cabeça continua doendo. Meu coração também. Talvez esteja doendo ainda mais do que ontem. Esta carta não ajudou nem um pouco.

Acho que vou passar um tempo sem escrever. Porque me lembro dele quando escrevo para você, e tudo isso dói muito. Até ele vir atrás de mim, vou apenas fingir que está tudo bem. Vou continuar fingindo que estou nadando, quando na verdade só estou boiando. Quase sem conseguir manter a cabeça fora da água.

Lily

Fecho o diário depois de ler a última página.

Não sei o que sentir porque sinto tudo. Raiva, amor, tristeza, felicidade.

Sempre odiei não conseguir lembrar de quase nada daquela noite, por mais que tentasse pensar em cada palavra que dissemos. O fato de Lily ter anotado tudo é um presente, embora seja um presente triste.

Naquela época, eu temia que Lily fosse frágil demais para saber dos detalhes da minha vida. Eu queria protegê-la das coisas negativas que estavam acontecendo, mas ler suas palavras me mostrou que Lily não precisava ser protegida. Pelo contrário: ela poderia até ter me ajudado a enfrentá-las.

Sinto vontade de escrever outra carta para ela, mas, acima de tudo, sinto vontade de estar com ela, de conversar sobre tudo isso pessoalmente. Sei que estamos indo devagar, mas, quanto mais tempo passo perto dela, mais fico impaciente para reencontrá-la.

Eu me levanto para guardar o diário e pegar algo para beber enquanto espero, mas paro assim que fico de pé. Há um poste no começo do beco iluminando o restaurante e tem uma sombra se movendo na luz. A sombra passa na frente do restaurante indo na outra direção, como se o dono da sombra estivesse vindo para perto de mim. Recuo para continuar escondido.

Alguém aparece. Um garoto se aproxima da porta dos fundos.

Não sei se esse garoto é meu irmão, mas com certeza é a mesma pessoa que vi na gravação da câmera do Corrigan's. Mesmas roupas, mesmo moletom com o capuz na cabeça.

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